Ana Claudia Santano

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Um assunto que já tardou a ser discutido voltou à pauta da Câmara dos Deputados na última quarta-feira (13/06/07). Trata-se do projeto de lei n.º 1210/2007, de autoria do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP) referente à reforma política, fruto de um acordo dos líderes partidários. Embora a votação tenha sido adiada devido à falta de consenso com relação aos aspectos envolvendo o voto em lista fechada, já é de grande valia tal assunto ter voltado a ser discutido pelos parlamentares.

O projeto aborda questões extremamente delicadas, e promete modificar radicalmente a rotina eleitoral do país. Pontos como o voto em listas fechadas, atenuação da cláusula de barreira, financiamento público puro de campanhas eleitorais, dentre outros, poderão ser adotados no sistema eleitoral brasileiro.

Ao analisar o projeto de lei que está sendo submetido à votação, verifica-se que há alguns detalhes do texto, os quais ocultam possíveis conseqüências da aplicação dessas novas medidas. Vejamos o que poderá ser modificado.

1) Voto em lista fechada

A primeira modificação sugerida pelo projeto de lei é a elaboração de listas pelos partidos políticos para as eleições proporcionais. Tais listas serão compostas por candidatos escolhidos através de votação na convenção partidária a ser realizada antes do pleito. A ordem dos candidatos na lista será de acordo com o número de votos obtido por cada um deles.

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A instituição de listas fechadas para as eleições proporcionais está intimamente ligada à adoção do financiamento público de campanhas. Porém, há diversos aspectos que não estão abordados no projeto de lei e que poderão ter efeitos nefastos no momento de sua aplicação.

Um desses aspectos é que não há disposição no projeto de lei acerca da divulgação das listas pelos partidos para o eleitorado, ou seja, o eleitor deverá obrigatoriamente comparecer às urnas e votar na legenda do partido, mas não terá conhecimento sobre os candidatos que compõem a lista do partido em que está votando. Essa omissão impede a fiscalização sobre a legitimidade da elaboração da referida lista, bem como deixa com que a cúpula partidária possa agir da forma como bem pretender no momento de outorgar a sua respectiva quota de cadeiras parlamentares aos componentes das listas, possibilitando, inclusive, que se burle a ordem estabelecida na lista.

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A questão torna-se ainda mais controversa se for analisada a medida contida no referido projeto de lei, que prevê que os atuais parlamentares, ao noticiarem aos seus respectivos partidos políticos a sua intenção de se candidatar novamente ao cargo que ocupam, já comporão a lista de candidatos, independentemente de votação dos filiados na convenção partidária, salvo deliberação do partido em contrário. Sinceramente, não acredita-se que haverá algum partido que decida por não aplicar a regra, justamente para manter a cúpula partidária intacta.

Tal ponto merece ampla discussão, a fim de coibir a ?ditadura? dos caciques dentro dos partidos, bem como tornar o processo de elaboração das listas algo transparente para o eleitorado, principal destinatário da medida.

Sobre o tema, esclarece-se que não se trata da adoção da democracia indireta. Não há colégios eleitorais, portanto, o voto não é indireto. Entretanto, o eleitor perderá o direito de saber em quem efetivamente atribuiu o seu voto, escolhendo apenas o partido. Sabe-se que tal medida fortalecerá as agremiações partidárias, e que talvez isso possa ser muito benéfico para o sistema político, pois mobilizará candidatos e filiados a se dedicarem mais ao partido e a deixarem de lado interesses individuais. Todavia, não se pode privilegiar o fortalecimento das legendas em detrimento do direito ao sufrágio do eleitor, assegurado constitucionalmente.

Assim, a questão merece ser melhor abordada no texto legal, para que não cause mais transtornos além dos já existentes no sistema atual.

2) Federação de partidos e cláusula de barreira

Outra novidade trazida pelo projeto de lei é a instituição de federação de partidos, face a proibição de coligações nas eleições proporcionais. Contudo, novamente o texto legal possui vácuos perigosos, os quais deveriam ser preenchidos antes da modificação das regras atuais.

A federação de partidos possui praticamente o mesmo papel que as coligações, ou seja, fortalece os partidos pequenos, tornando-os ?competitivos? perante os partidos de maior expressão. Porém, os partidos que constituírem uma federação deverão permanecer como tal pelo prazo de 3 (três) anos, no mínimo, o que não ocorre na coligação, que freqüentemente se dilui logo após as eleições.

Mas essa é a única diferença aparente na medida. Na verdade, serão aplicadas nas eleições proporcionais a federação de partidos, mas nas eleições majoritárias as coligações permanecem permitidas. Trata-se de um equívoco, pois não há qualquer menção no projeto de lei sobre a obrigatoriedade de obediência da federação de partidos no momento da coligação para as eleições majoritárias. Assim, permite-se que um partido constitua uma federação para as eleições proporcionais com determinadas legendas, e se coligue com outros partidos diversos nas eleições majoritárias.

Assim, no fundo a medida proposta não modificará em nada o cenário atual, uma vez que a verticalização das coligações encontra-se extinta com a Emenda Constitucional n.º 52, e não a ressuscitaram na reforma política, o que é uma pena.

Ainda, a tão polêmica cláusula de barreira volta a ser abordada no projeto de lei posto em votação. Devido à declaração da sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal ao final de 2006, o qual utilizou como principal argumento para tal a ausência de razoabilidade na cláusula, ela foi adaptada, certamente com os dados trazidos pelas eleições de 2006. Verifica-se, assim, que partidos de pequena expressão não terão grandes dificuldade em ultrapassá-la, ainda mais se utilizarem do mecanismo da federação de partidos.

3) Financiamento público de campanhas eleitorais

Uma dos pontos mais delicados do projeto de lei é, sem dúvida, o financiamento público puro de campanhas.

Sabe-se que uma campanha eleitoral custa, e muito. Mas a conta foi transferida para os contribuintes, sendo que cada contribuinte eleitor pagará R$ 7,00 (sete reais) por pleito.

A divisão destes recursos não são exatamente iguais, pois os critérios consideram o número de partidos registrados no TSE, o número de partidos com representação na Câmara dos Deputados, bem como o número de representantes que cada partido possui na Câmara. É certo que esta aritmética criada trará desigualdades no momento da divisão dos recursos, beneficiando os grandes partidos e, por uma via diversa, ocultando os partidos de pequena expressão. Entretanto, dividir os recursos por igual entre todos os partidos também seria desarrazoado.

O projeto de lei também dispõe que a utilização para o financiamento de campanhas do fundo partidário e de recursos doados por particulares, tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas, estão expressamente vedadas. Caso seja constatado que alguma pessoa jurídica colaborou em campanhas, esta poderá ser impedida de participar de licitações durante o prazo de 5 (cinco) anos, de acordo com a determinação da justiça eleitoral.

São, sem dúvida, boas medidas para a coibição da corrupção que se alastrou pelo país nas duas últimas legislaturas. Todavia, a eficácia destas medidas poderá ser seriamente comprometida devido à disposição constante no projeto de lei, de que é de exclusiva responsabilidade dos partidos políticos pela administração dos recursos para o financiamento de campanhas, bem como a necessidade de comprovação perante a justiça eleitoral da responsabilidade do partido ou candidato, em casos de suspeita de abuso do poder econômico.

É cediço que a justiça eleitoral é extremamente tolerante com casos envolvendo abuso do poder econômico. Transferir ao partido a gestão dos recursos, deixando a eles somente a obrigatoriedade da prestação de contas dos gastos efetivados permite claramente a manipulação de valores de despesas, bem como a ocultação da existência de recursos recebidos de particulares. Ou seja, é provável que tais medidas não consigam impedir totalmente o trânsito de recursos particulares nas campanhas eleitorais, permanecendo a possibilidade de obtenção de vantagens por meios ilícitos, como ocorre atualmente.

4) Pesquisas eleitorais e showmícios

Outro assunto abordado no projeto é com relação às pesquisas eleitorais, o seu uso pela mídia e a volta dos showmícios.

As pesquisas eleitorais deverão ser cadastradas na justiça eleitoral pelas empresas que as elaborarem até 48 (quarenta e oito) horas após a sua divulgação, detalhando dados envolvendo a consulta, como percentual de homens e mulheres que foram consultados, amostra utilizada por Estado, em caso de pesquisas nacionais, dentre outras informações.

Ainda, nas eleições de 2006, os showmícios foram proibidos pela lei n.º 11.300/2006, na tentativa de diminuir os custos das campanhas eleitorais. Porém, a tentativa foi em vão, uma vez que nunca se gastou tanto no financiamento de campanhas.

Os showmícios deverão ser contabilizados a preço de mercado, mesmo que o artista se apresente de graça. Deverá, desta forma, haver prestação de contas do evento, como despesa de campanha.

5) Fidelidade partidária

Por fim, o projeto de lei traz um ?ensaio? sobre disposições acerca da fidelidade partidária. Porém, não enfrenta a questão de modo devido, uma vez que prevê apenas a colocação dos candidatos que mudaram de partido ao final da lista do seu atual partido. Não há dúvida que esta medida desmotiva a troca de partidos, já que haverá a ameaça de não eleição do candidato que migrou para outra agremiação. Todavia, é conveniente pensar em outras formas de coibir o troca-troca partidário, já que o próprio Supremo Tribunal Federal já demonstrou concordar com a perda do mandato do parlamentar tido como infiel ao partido que se elegeu. Ainda, não há outras disposições acerca deste assunto, que certamente é um dos mais importantes que estão sendo abordados no projeto de lei.

Desta forma, procurou-se expor algumas premissas acerca da tardia, porém ainda tão necessária reforma política. De fato, o projeto de lei ora discutido na Câmara dos Deputados significa um avanço, uma vez que se trata de um tema muito polêmico. Entretanto, devido ao atual cenário político nacional, será que um pouco mais de ousadia e reflexão não cairia bem?

Ana Claudia Santano é formada em Direito pelo UnicenP-Centro Universitário Positivo, especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná e pós-graduanda em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional ABDConst.