1. A colocação do problema – a MP n.º 2.180-34/35

O senhor presidente da República baixou, em 27/7/01, a Medida Provisória n.º 2.180-34, na qual ficou estabelecido, em seu art. 4.º, proposição para incluir na Lei n.º 9.494/97 o art. 1.º-B: “O prazo a que se refere o caput dos arts. 730 do Código de Processo Civil, e 884 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943, passa a ser de trinta dias”.

Essa norma precária foi reeditada pela Medida Provisória n.º 2.180-35, de 24.08.01.

Apesar de ultrapassado o prazo de trinta dias sem haver sido reeditada, nem convertida em lei, não perdeu a eficácia, como seria de rigor pelo art. 62, parágrafo único, da CF/88, em face da Emenda Constitucional n.º 32, de 11.09.01, que, em seu artigo 2.º, estabeleceu: “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”.

Assim, está em vigor a MP n.º 2.180-35, de 24.08.01, porque: a) anterior à edição da EC 32/01, de 11.09.01; b) não há MP posterior que a tenha revogado explicitamente; c) não ocorreu deliberação definitiva pelo Congresso Nacional.

A questão fundamental a saber, a interpretar, a concluir, a pacificar, para atrair segurança jurídica, é se a Medida Provisória n.º 2.180, em suas trigésima quarta e trigésima quinta reedições, pode, no que tange ao artigo 4.º, quanto à pretendida inserção do art. 1.º – B à Lei n.º 9.494/97: a) conduzir à interpretação que o prazo ampliado de trinta dias se aplica à Fazenda Pública, às pessoas jurídicas e físicas de direito privado, quanto aos embargos à execução, e também à impugnação à sentença de liquidação; b) resolvida a questão do item anterior (aplicabilidade restrita à Fazenda Pública ou, amplamente, à atividade privada) remanesce a verificação da constitucionalidade, igualmente, ainda, não solucionada.

2. As correntes ampliativa e restritiva

Segundo uma forte corrente doutrinária – que passamos a chamar de ampliativa – passou-se a entender que o prazo de trinta dias previsto na Medida Provisória aplicar-se-ia a todos, e não apenas à Fazenda Pública. Assim, José Augusto Rodrigues Pinto, Christóvão Piragibe Tostes Malta e Sergio Pinto Martins.

Outra, nominada de restritiva, entende que a modificação efetuada abrange apenas a Fazenda Pública, que, agora, seja no processo civil, seja no do trabalho, teria o prazo de 30 (trinta) dias para embargar a execução, remanescendo o prazo para o particular de 10 (dez) dias no processo civil e de 05 (cinco) no processo do trabalho. Essa corrente, que tem em Manoel Antonio Teixeira Filho seu maior nome é respaldada por maciça orientação jurisprudencial dos TRTs (pesquisa na internet localiza julgados nesse sentido nas 2.ª e 3.ª Regiões).

3. As formas de interpretação

Constata-se, assim, em interpretação sistemática, o seguinte:

a) a Lei n.º 9.494/97, que se pretende alterar, trata da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, e as disposições que se pretende acrescer referem-se a situações que envolvem pessoas jurídicas de direito público;

b) relativa e exclusivamente ao processo civil, busca-se modificar o prazo do art. 730 para trinta dias, sem que, contudo, tenha se alterado o prazo do art. 738 do CPC, que trata dos devedores particulares;

c) não se pode atender apenas a uma interpretação literal (que essa, sim, pode induzir a uma conclusão que se desvie do sentido global do texto jurídico). Exatamente por isso é que Maria Helena Diniz orienta o hermeneuta em como deve se guiar, explicitando algumas regras básicas que podem, adaptadas à hipótese em comento, ser assim sintetizadas: havendo antinomia entre o sentido gramatical e o lógico, este deve prevalecer; o significado da palavra deve ser tomado em conexão com o da lei; o termo deve ser interpretado em relação aos demais; havendo palavras com sentido diverso, cumpre ao intérprete fixar-lhes o adequado ou verdadeiro (ob. cit., p. 424). As medidas provisórias, todas, reproduzem, sempre, o mesmo art. 1º – B a ser acrescido à Lei n.º 9.494/97, e pode-se, então, com as regras acima enunciadas, entender-se, de forma lógica, que o prazo dos embargos à execução, relativamente à Fazenda Pública, previsto no caput do art. 730 do CPC e (não previsto) no caput do art. 884 da CLT, passou a ser, em ambos os casos, de trinta dias.

d) atentando-se ao processo teleológico, como ensina Carlos Maximiliano, “as normas conformes no seu fim devem ter idêntica execução, não podendo ser entendidas de modo que produzam decisões diferentes sobre o mesmo objeto” (apud DINIZ, Maria Helena. Ob. cit. p. 427). Se já a jurisprudência vinha entendendo que o art. 884, caput, da CLT não tinha regra sobre os embargos à execução da Fazenda Pública, parece evidente que a aplicação subsidiária do art. 730 do CPC (já antes da MP) reforça a convicção de que, alterado o prazo desse dispositivo, deve aplicar-se o novo texto ao processo do trabalho. Essa constatação, aliás, da passagem da jurisprudência do C. TST para a lei, já verificada em outras oportunidades, como, por exemplo, quando tivemos o ensejo de examinar outras novas regras trabalhistas (GUNTHER, Luiz Eduardo e ZORNIG, Cristina Maria Navarro. Caderno Direito e Justiça do Jornal O Estado do Paraná. Domingo, 1.º/7/01; Síntese – Jornal. Porto Alegre. Ano 4, n.º 53. Jul/01. p. 03-05; Genesis – Revista de Direito do Trabalho. Curitiba. N.º 103. Jul/01. p. 38-42; Revista Bonijuris. Curitiba. Ano XIII, n.º 453. Ago/01. p. 15-17; Revista do TRT da 9ª Região – Paraná. V. 26, n.º 01. Jan/jun 3001. p. 43-50; e Internet-lex.com.br – Doutrinas selecionadas).

e) ainda, pelo processo teleológico, e segundo Maximiliano, “deve-se conferir ao texto normativo um sentido que resulte haver a norma regulado a espécie a favor e não em prejuízo de quem ela visa proteger” (apud, DINIZ, Maria Helena. Ob. cit., p. 427). Não há disposição revogadora do art. 884, caput, da CLT e nem alteração física do texto. E isso mais se justifica exatamente porque o prazo de cinco dias, previsto para os embargos à execução dos particulares, foi instituído em benefício da celeridade da execução trabalhista. Interpretação atribuindo-se o prazo de trinta dias a todos os executados não poderia prevalecer porque a norma deve ser interpretada como sendo a favor, e não em prejuízo dos exeqüentes (trabalhadores).

Por todas essas ponderações, conclui-se que, efetivamente, a MP n.º 2.180-35, e suas edições anteriores, bem como suas antecedentes, no que diz respeito ao art. 1.º – B acrescido à Lei nº 9.494/97, estabeleceu: I) juntamente com a mudança do art. 730 do CPC, o prazo de trinta dias somente para a Fazenda Pública; II) o art. 884, caput, da CLT prossegue inalterado, fixando o prazo de cinco dias para embargos à execução dos particulares.

4. O debate sobre aconstitucionalidade daMP n.º 2.180-34/35

O Excelso Supremo Tribunal Federal recebeu, já, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.418, em 22/2/01, promovida pelo Conselho Federal da OAB, existindo os aditamentos à inicial, inclusive relativamente à MP n.º 2.180/35 (em 3/9/01). Os autos estão conclusos ao Min. Sydney Sanches desde 5/9/01, segundo informações existentes no site do STF, sem apreciação.

Não se tem conhecimento, ainda, de decisão reconhecendo a inconstitucionalidade da MP 2.180-34/35, ou de suas antecedentes, tratando da mesma matéria, quanto à inserção do art. 1.º – B na Lei n.º 9.494/97, perante as Varas do Trabalho ou junto aos Tribunais Regionais do Trabalho.

5. A posição adotada pelo E. TRT da 9.ª Região

O E. TRT da 9.ª Região, no dia 26/8/02, em sessão do Órgão Especial – a quem compete declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (arts. 120 a 123 do Regimento Interno), apreciou a ARI n.º 01/02 (vinda dos autos do AP 3.907/01 da E. 5.ª Turma), e não chegou a manifestar-se expressamente sobre o tema em debate.

Apenas, prejudicialmente, concluiu, por maioria absoluta (10 votos a 3), que a MP n.º 2.180-34/35, quanto ao art. 4.º, que acresce o art. 1.º – B à Lei n.º 9.494/97, aplica-se apenas, e tão-somente, à Fazenda Pública, e não aos devedores particulares.

De tal sorte, por ora, enquanto não houver manifestação do Excelso STF a respeito, perante o Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região, prevalece a interpretação de que o prazo para a Fazenda Pública opor embargos à execução é de 30 (trinta) dias, em face da nova redação do art. 730, caput, do CPC, restando admitido, implicitamente, que no art. 884, caput, da CLT não havia regra específica a respeito. Mantém-se, assim, o entendimento de que o art. 884, caput, da CLT continua estabelecendo o prazo de cinco dias para o devedor particular opor embargos, bem como para o exeqüente apresentar impugnação à sentença de liquidação.

Não se manifestou, ainda, (em face da prejudicialidade reconhecida no caso concreto), o TRT da 9.ª Região, direta, e explicitamente, sobre a inconstitucionalidade do art. 4.º da MP n.º 2.180-34/35, que trata desse novo prazo de 30 dias para a Fazenda Pública opor embargos à execução na Justiça do Trabalho, o que poderá vir a ocorrer em breve.

Luiz Eduardo Gunther é juiz do TRT da 9.ª Região.Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no TRT da 9.ª Região.

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