O Normal ainda vale?

O modo como a mídia divulgou a homologação do Parecer n.º 03/2003, do Conselho Nacional de Educação, talvez tenha levantado dúvidas mais do que esclarecido o assunto. A impressão que ficou é que o CNE e o MEC “dispensaram” a formação superior dos professores das séries iniciais do ensino fundamental, “atenuando” as exigências anteriores e, de certa forma, “modificando” a LDB. Ora, nada disso é verdadeiro. Apenas, o CNE colocou os “pingos nos is” quanto a uma dúvida muito pertinente: quem tiver apenas formação em nível médio, poderá continuar lecionando? É claro que sim, afirma o CNE, ratificando o que já dizíamos em artigo publicado nos idos de maio de 2001, sob o título “O Curso Normal de Nível Médio”.

Uma leitura atenta do parecer e da resolução que o acompanha indica que, na essência, nada mudou. E, aliás, não poderia ser de outra maneira, uma vez que nenhum ato, fosse do Conselho Nacional, fosse do ministro, teria força para modificar o que a lei determina de modo claro. A formação desejável, ideal, deve se fazer em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena (LDB, art. 62). No entanto, a lei admite, como “formação mínima”, a oferecida em nível médio. O que isso quer dizer? Quer dizer que, aos professores “leigos” (isto é, sem habilitação mínima), deve ser oferecida formação em nível médio (Curso Normal em nível médio). E, aos professores que já possuem essa formação, será oferecida formação em nível superior (Curso Normal superior). Assim se expressa o CNE nos parágrafos 1.º e 2.º do art. 2.º da resolução que acompanha o Parecer 3/2003.

Durante a Década da Educação, isto é, até 2007, vigora a determinação estabelecida no art. 87, da LDB, que incumbe aos estados e municípios, com apoio da União, a realização de programas de capacitação para os professores em exercício, estimulando-os a aderir a tais programas com melhorias na carreira e na progressão funcional (cf. art. 3.º da resolução). No entanto, o mesmo documento, depois de insistir que a adesão a tais programas será voluntária (ou seja, jamais poderá ser imposta sob pena de demissão ou exoneração), observa que sua oferta deve ser feita “sem comprometer o calendário escolar”, portanto, preferentemente, com a utilização das modernas tecnologias de informação e comunicação que constituem a base do ensino a distância, que vem se desenvolvendo a passos largos em nosso País, recuperando o atraso em que estávamos.

É também isso que estabelece outra lei, o Plano Nacional de Educação (Lei n.º 10.172/2001), que coloca como meta a formação de todos os professores em nível médio, na modalidade Normal, até 2006, sem deixar de apontar para a formação em nível superior para todos como uma autêntica “utopia norteadora”, nas palavras do conselheiro Nélio Bizzo, que completa dizendo que “os sistemas de ensino e seus órgãos normativos deverão estimular e perseguir a causa da qualidade na educação […] por meio de estímulos à progressão funcional, com planos de carreira que contemplem a formação em nível superior…” (Parecer 03/2003).

Estados como o Paraná, onde já alcançamos excelentes índices de qualificação docente, por meio de renovados esforços para eliminar a triste figura do “professor leigo”, devem voltar sua vista para a capacitação de seus docentes em nível superior, possibilitando-lhes não apenas ascensão na carreira e progressão salarial, mas um novo horizonte de cultura e conhecimentos, sem que, para isso, precisem deixar a sala de aula. A formação em nível superior deverá ser buscada pelos docentes que atuam no ensino fundamental e na educação infantil, não como uma dolorosa imposição, mas como uma oportunidade de ascensão profissional, cultural e, acima de tudo, humana, propiciando segurança e autoconfiança. Será, assim, verdadeiro trampolim para uma maior humanização, já que, acedendo à cultura superior, o docente poderá implementar uma ação pedagógica criativa, criar a consciência dos valores fundamentais do humanismo, elaborar uma visão crítica e científica do mundo e da história, realizando melhor a sua tarefa de, como dizia Gramsci, “educar os cérebros para pensar de modo claro, seguro e pessoal”.

Teofilo Bacha Filho é vice-presidente do CEE-PR e membro da CEA/MEC.

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