Desde o famoso kit de primeiro socorros, de triste e efêmera memória, a área do trânsito está tumultuada. E não apenas pelo tráfego de veículos, mas, também, pelo vai-vem de informações, que tiram a tranqüilidade de quem possui e dirige automóveis. O que pode e o que não pode, o que obriga e o que não obriga, o que vale e o que não vale ? eis que estamos todos diante da indefinição e da insegurança de titulares eventuais de cargos ou do conflito de interesses entre o Estado e a iniciativa privada travestida de poderes estatais, como no caso das multas eletrônicas terceirizadas.
O atual debate se prende às multas efetuadas por radares eletrônicos, quase todos eles colocados em locais estratégicos como armadilhas para pegar motoristas desavisados, e sobre as quais pairava até aqui o interesse direto dos fabricantes e comerciantes dos equipamentos empregados na assim chamada “fiscalização educativa pela punição”. Já não bastasse o debate nem sempre bem resolvido sobre a parte que cabe à União, Estados e Municípios ? essa espécie de rateio sobre o bolso do contribuinte já espoliado por outras vias ? existia um quarto na partilha do valor das multas, exatamente o detentor ou, quase sempre, administrador direto do serviço. Felizmente, essa parte da vergonha está chegando ao fim.
Tão controverso era ou é o sistema que, à sua sombra, viceja outro grande negócio ? o dos recursos contra multas de trânsito. E tal serviço tem aqui e em qualquer lugar seu marketing impresso em placas, que, nas cidades ou nas estradas, rivalizam com a orientação visual do tráfego. Desde a aplicação até a cobrança, multas de trânsito significam hoje um grande negócio, que mexe com milhões de reais e profissionais especialistas em diversas áreas. Acrescente-se a esse business, que, não raro, tem comunicação com práticas de corrupção e favoritismo, o incipiente serviço de vistorias, mais caro que qualquer consulta ao mecânico preferido.
Mas fiquemos, por hoje, apenas com a fórmula encontrada para garantir o negócio dos fabricantes e fornecedores de radares eletrônicos. A remuneração por produtividade direta (isto é, pelo número de multas aplicadas) foi proibida, felizmente, como acima dissemos. Mas em seu lugar, manteve-se um critério que tem a ver com o mesmo princípio, ou seja, a média das multas aplicadas num determinado período, que passa a ser a referência orçamentária do desencaixe.
Desnecessário dizer que se essas empresas eram empurradas a faturar mais multando mais, a média agora recomendada está viciada, pois tem a ver com o princípio que se pretende combater, ou seja, a inflação das multas que se pretende revogar. Consagra-se, pois, a injustiça que se combate.
A tecnologia empregada no setor hoje não é mais exclusividade de dois ou três que saíram na frente e abocanharam a melhor fatia do já não novo Código Nacional de Trânsito. Por qual motivo, então, não abrir o setor à concorrência pública, com critérios transparentes de remuneração e serviço ? aquela a mais baixa possível e esse o melhor imaginável ? como deve ser todo serviço público pago pelo contribuinte?
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