O negócio da cultura

Tudo leva a crer que o setor cultural está envolto numa penumbra de jogo de interesses, lobbies fortíssimos e situações privilegiadas. Essa foi a conclusão a que chegou um assessor do presidente da República depois da crise que envolveu, de um lado, renomados artistas nacionais, de outro, os ministros da Cultura, Gilberto Gil, e de Comunicação de Governo, Luiz Gushiken. Como convém a situações de muita penumbra e privilégios, o nome do analista assessor não foi revelado. Assim como também não estão sendo reveladas as denúncias de irregularidades que a crônica brasiliense informa estarem chegando com insistência às mãos do governo com a chancela de intelectuais e cineastas.

Uma dessas denúncias – já mais ou menos pública – é a que dá conta de que toda a verba que a BR Distribuidora pode, por lei, destinar a patrocínios culturais, está empenhada até o ano de 2005. Seriam R$ 112 milhões – R$ 88 milhões dos quais somente para o cinema. Isso equivale, segundo se informa, a 20% do lucro líquido da companhia, um nível considerado temerário pelo Tribunal de Contas da União. Mais: o comprometimento ocorreria em área da companhia que não constitui sua finalidade empresarial, o que poderá gerar uma onda de contestações por parte de acionistas minoritários da empresa.

Segundo ainda se observa das informações trazidas a público, outras estatais estão sendo convidadas a assumir alguns projetos que comprometem a BR Distribuidora para que ela tenha folga e consiga dar apoio a novas produções sem que nenhum dos contratos já assinados seja suspenso. Seria orientação do próprio presidente Lula. Ele não quer o rompimento de contratos que poderiam acarretar a paralisação da produção cultural no País – um desastre.

Há outros meandros menos conhecidos nessa intrincada questão do patrocínio cultural por conta da renúncia fiscal do governo. Há muito tempo, as denúncias de favoritismo, pagamento de ágios e pedágios, ou simplesmente de “simpatias” infestam o meio artístico e aquele um pouco abaixo – o dos agentes, corretores, lobistas e comerciantes. Nunca levadas na devida conta, essas denúncias assumem consistência agora que explodiu a questão das “contrapartidas sociais” impostas pelo ministro Gushiken. O dirigismo cultural sempre foi lenha seca na fogueira da crítica e da ideologia dos contrários, mas o Planalto se defende alegando que os artistas miraram num ponto e acertaram noutro.

Talvez porque pretenda diluir o gosto amargo da bocada que não deu certo, o Planalto desconfia que o mundo artístico nacional levantou o alarido muito mais porque temia pela liberação das verbas já comprometidas do que por ser contra os tais controles. E para validar seu raciocínio, sugere que algum controle já existia antes. Por exemplo, a exigência de que a finalização dos filmes brasileiros fosse feita por laboratórios aqui estabelecidos.

Ora, tal exigência não seria exatamente uma “contrapartida social” do tipo que pretendia o ministro Gushiken, investindo sobre área do companheiro também ministro Gilberto Gil. Tratava-se, sem dúvida, de uma “contrapartida econômica”, em atendimento a interesses tupiniquins – legítimos sem dúvida -, mas que de qualquer forma fazem caldo nesse debate sobre o grande negócio da cultura movida a recursos oficiais, que detesta subserviência ao discurso ideológico.

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