Vinte anos atrás, um jornal do Norte do Paraná, quando anunciados os resultados das eleições presidenciais nos Estados Unidos, publicou em manchete de primeira página: “Temos novo presidente nos Estados Unidos”.
Uma gafe jornalística e um absurdo, que, paradoxalmente, não estava e hoje menos ainda está muito longe da verdade. Não nos esqueçamos que um presidente do Brasil já declarou, um dia, “que o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”. E, anedota ou verdade, um presidente brasileiro teria beijado a mão do presidente dos Estados Unidos da América.
Hoje as coisas mudaram um pouco e, apesar da posição majestática de George Bush e o imperialismo claro dos Estados Unidos, nunca aquele país foi tão contestado por autoridades brasileiras e enfrentado em questões as mais variadas, que vão de assuntos comerciais à política internacional. E quem contesta é Lula, um presidente dito de esquerda, e até o seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que, como professor, foi convidado a acompanhar as apurações do pleito na América do Norte.
Embora analistas cautelosos insistam em dizer que a eleição de Bush é boa para o Brasil, ou menos pior que a de seu contendor, Kerry, a verdade é que perdemos nos Estados Unidos. Nós e o resto do mundo. Se a eleição fosse mundial, George Bush, que quer, tenta e até consegue mandar no mundo, perderia as eleições.
O segundo governo republicano não deverá ser muito diferente do primeiro. A reeleição significa a continuidade da doutrina de que os Estados Unidos têm o que consideram direito de impor, em qualquer parte do mundo e até pela força das armas, “democracias”. Usam meios ditatoriais para exigir de outros povos que sejam governados da forma como entendem seja a democracia, pelo voto de seus cidadãos e a força do império norte-americano. O governo Bush e os próprios Estados Unidos, apesar da vitória apertada, demonstraram que, passando por sobre a ONU, os costumes políticos e religiosos dos outros povos e colocando acima de tudo seus interesses, principalmente econômicos, farão do planeta o que bem entenderem.
Começaram e vão continuar uma guerra sem fim contra os muçulmanos, árabes ou não, por culpá-los pelo terrorismo que destruiu as torres gêmeas de Nova York, símbolo do seu capitalismo. A democracia em muitos países do mundo, em especial nos países islâmicos, onde, em geral, nunca existiu, é um objetivo desejável. Mas falta aos Estados Unidos legitimidade para impô-la pela força das armas e da forma como a entendem. Faltam-lhes respeito e compreensão em relação às culturas dos outros povos, que podem não adorar sanduíches e Coca-Cola com a mesma devoção. E até entender que governo e igreja, como no caso de muitos países maometanos, é a mesma coisa.
Os terríveis atos de terrorismo, o maior dos quais teve como vítimas os norte-americanos, devem ser evitados e seus responsáveis punidos. Mas usar esse fato para reafirmar o imperialismo dos Estados Unidos, mandando no mundo, e para justificar uma guerra santa entre cristãos e muçulmanos, uma reprise em maiores dimensões das Cruzadas, que é o que estamos assistindo, justifica a ridícula manchete de jornal publicada há algumas décadas.