O mundo é Big Brother

Ao McDonald´s fui poucas vezes e quando fui era para acompanhar crianças. A primeira vez que fui me chamou a atenção, mais do que um filho, um pai. O mesmo – calculo, pesava cerca de 180 kg – pediu para o filho um determinado sanduíche e para ele, do mesmo, só que três. Sim, três big-mac.

Esta simples ida a essa rede de lanchonetes a princípio traz dois questionamentos: a educação infantil para uma alimentação saudável e a cultura, nesse caso, alimentar, de um país. Por mais paradoxo que pareça, a nossa infância vive dois problemas no que diz respeito à alimentação: a desnutrição e a obesidade.

A desnutrição atinge mais de 30% da população infantil brasileira, chegando em algumas regiões a mais de 50%. Mesmo em Curitiba – segundo a elite local, uma cidade de primeiro mundo – tem na sua periferia, entre os freqüentadores do Sistema Único de Saúde (SUS), mais de 30% de desnutridos. O agravante é que após oito anos de neoliberalismo de FHC, a fome, não só por comida, mas também por cultura, atinge também a população adulta do Brasil.

A obesidade, que afeta quase que o mesmo número de crianças que passam fome, atinge um percentual maior de adultos, e tem como razão principal o não saber comer ou, também, a impossibilidade do comer. Às vezes a pessoa é rica, porém não tem a informação de qual é a alimentação correta ou, na sua fragilidade intelectual, consome o que é oferecido pela propaganda nos meios de comunicação. Se é pobre, além de dificuldades para obter informação de como se alimentar adequadamente, acaba comendo o que está disponível no momento por falta de recursos. Sobre ambas, muito se tem escrito, porém sobre a cultura alimentar o debate é restrito ou inexistente.

O Mcdonald?s e outras lanchonetes de características semelhantes vendem a comida como se vendesse sapatos, roupas, etc – a coisa mais maravilhosa do mundo. E o que é pior, vende para crianças, principalmente de pais alienados ou de pouca informação sobre o que é saudável e o que é cultura alimentar.

José Bové, pequeno agricultor do sul da França, foi condenado por organizar um ataque a uma lanchonete Mcdonald?s. Periodicamente, nas várias regiões do mundo, em frente a essa rede de lanchonetes é organizado algum tipo de protesto, ou até mesmo atentados.

Sabemos que tudo isso é feito porque o Mcdonald?s representa a cultura, não só alimentar, mas também o poderio de um país.

Os EUA tem a hegemonia mundial, econômica, política, militar, mediática e cultural. E essa hegemonia leva-os a impor o seu comportamento, inclusive na alimentação, tanto é que o Brasil é um dos maiores consumidores do mundo de coca-cola. Essa imposição se dá pelas belas imagens ligadas ao marketing do produto.

O ataque de Bové ao Mcdonald?s não deve ser olhado como um simples ato de protesto, mas sim inseri-lo no contexto da manutenção ou do resgate e valorização da alimentação característica de uma região. Portanto é uma luta para valorizar o território de produção, seus atores, seus hábitos e cultura, no caso alimentar.

A lógica neoliberal é a destruição da representação cultural sobre todos os aspectos, tornando o mundo cada vez mais igual: mesmas séries de TV (o mundo é um big brother), mesmas canções, mesmas roupas, mesmos filmes e mesma alimentação (hambúrguer com coca-cola) e cada vez mais banal, eliminando a autodeterminação de um povo de comer o que lhe aprouver ou for inclusive mais saudável.

Segundo essa lógica, o que vale é a competitividade do mercado, desconhecendo os produtores, o modo de produção e a região. Passa a valer a rapidez de preparo da alimentação – produz-se em série – como se estivesse fabricando um automóvel. Essa lógica para a produção de alimentos acarreta uma série de problemas, mas dois se impõem imediatamente: a mudança da cultura alimentar (onde fica a feijoada?) e a soberania para a produção de alimentos por um país.

Ambas estão interligadas, o país passa a produzir aquilo que as grandes empresas do mundo desejam e o povo passa a comer, perdendo suas raízes culturais, da mesma maneira, o ditado por elas e pelos restaurantes fast foods, geralmente de âmbito internacional.

Dessa forma os países ricos e as grandes empresas, como a Monsanto, investem na dominação de um povo, através da alimentação. E um povo sem cultura é um povo sem consciência, obeso, vazio de conhecimento cultural, portanto sem desejo de lutar pelos seus direitos. Segundo Confúcio, “a natureza dos homens é a mesma, são os seus hábitos que os mantêm separados”.

O Brasil, em suas várias regiões, é um país rico em hábitos alimentares, porém essa diversidade forma uma nação com características próprias de produção, que devem ser estimulados para combater a fome e construir uma soberania, não só alimentar, mas também cultural.

O hábito (cultura) alimentar e a sua preservação é um caminho de resistência à “mcdonaldização” cultural do planeta que representa o mesmo sabor para a boca, os ouvidos e os olhos. E o que é pior, o mesmo não pensar, pois pensam por você. A globalização – neoliberalismo – não significa apenas a abolição das fronteiras para o dinheiro, mas a imposição, também, de uma única cultura, inclusive alimentar, para todos os povos. Portanto, qualquer política de combate à fome passa por uma política de construção da soberania alimentar e a conseqüente preservação da cultura alimentar.

Dr. Rosinha  médico pediatra e sanitarista e deputado federal do PT/PR.

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