Fábio Tofic Simantob

O monitoramente eletrônico de presos

O governo do Estado de São Paulo fechou contrato na semana passada para aquisição de aparelhos de monitoramento eletrônico de presos. A expectativa do governo é de que as tornozeleiras eletrônicas devam ser implementadas já no Natal em aproximadamente 4.800 presos que atualmente estão no regime de semi liberdade.

A medida busca dar realidade à lei federal sancionada pelo Presidente Lula no último dia 15 de junho (Lei n. 12.258/10), que altera dispositivos da Lei de Execuções Penais. Vale lembrar que uma lei estadual paulista já tivera esta mesma iniciativa anteriormente, mas a assombrava um vício grave de competência, posto ser da União a competência para legislar sobre questões que envolvem o cumprimento da pena de prisão. O Congresso Nacional aproveitou o vácuo e logo se movimentou, aprovando rapidamente uma lei que viesse remediar o vício da lei paulista, com o mérito de ainda estender a novidade para todo o território nacional. Resultado: desde junho deste ano, a tornozeleira eletrônica é uma realidade, pelo menos no papel, em todo o país.

A notícia, no entanto, não é tão alvissareira quanto parece. Primeiro porque a nova tecnologia não será usada como alternativa para quem está preso, mas apenas para quem já está em regime de liberdade (aberto) ou de semi-liberdade (semi-aberto), não contribuindo em nada para o esvaziamento das nossas prisões. Depois porque, embora a tornozeleira permita monitorar o preso, nada impede que alguns beneficiados com as saídas temporárias do semi-aberto se desfaçam do aparelho e dêem no pé, sumindo no mundo, como às vezes sabemos que acontece (segunda dados da administração penitenciária paulista, menos de 10% não costuma retornar). E por fim, há o problema dos custos, pois o Estado terá gasto uma montanha de dinheiro com uma medida que não introduz mudanças senão cosméticas na grave crise do sistema penitenciário.

É a velha cultura de ir buscar lá fora soluções para problemas que se tornaram brasileiros demais e que não podem mais ser resolvidos em língua estrangeira; a solução do monitoramento eletrônico é tão fiel aos nossos problemas como a tradução da vida de Diadorim para o russo.

A sensação é de que resolvemos distribuir Mercedes-Benz para quem não tem nem o que comer. O problema dos presos que não voltam para a prisão nas chamadas saidinhas temporárias do regime semi-aberto, é apenas um entre milhares de problemas do nosso sistema penitenciário, e é certo que está longe de ser o mais urgente ou o mais importante. Se fôssemos enumerar os problemas que mais afligem este buraco negro da política pública, teríamos que falar em primeiro lugar da superlotação e nas péssimas condições das instalações prisionais; ao lado disto, e como consequência disto, viria o poder paralelo das facções que se formaram graças ao descaso das autoridades; em seguida, perceberíamos a ausência de uma política penitenciária séria, focada na função (res)socializadora da pena; e, por fim, não em ordem de importância, teríamos que enfrentar o problema do tratamento adequado para o preso usuário ou dependente de drogas.

A única política penitenciária que parece ter sido importante nos últimos anos é a da construção de presídios. Em alguns rincões do país nem isto foi feito; nestes lugares as prisões parecem mais senzalas adaptadas do que celas de uma prisão. Vez por outra, um juiz mais ousado decide enfrentar o poder executivo, ameaçando colocar presos de alta periculosidade na rua, caso não sejam tomadas providências urgentes para solucionar o problema da superlotação. Nada disto porém chega a abalar a sociedade, ao ponto de forçar as administrações a saírem do estado de inércia.

Diante de um quadro de total descalabro como este, é realmente desanimador ver o governo gastando milhões com monitoramento de presos, mas deixando de investir o mínimo necessário na recuperação de jovens – delinquentes ou não – viciados em crack, ou deixando de investir em cursos profissionalizantes dentro do presídio, a fim de que o preso possa ter alguma perspectiva de trabalho honesto na vida pós cárcere.

Não podemos esquecer que num país com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) como o nosso, o dia da prisão é o dia do primeiro encontro entre o indivíduo e o Estado. Quando este indivíduo nasceu, o Estado não estava lá, quando estava na idade de ir para a escola, o Estado não estava lá; quando os pais iam trabalhar e precisavam deixá-lo com alguém, o Estado não estava lá; mas quando ele cometeu o primeiro erro, o Estado estava de prontidão para puni-lo, fazendo a interferência mais drástica possível, o tolhimento total da sua liberdade.

Ora, se o Estado não consegue estar presente nos primeiros anos da vida de um jovem brasileiro, é de se esperar que pelo menos saiba aproveitar o ardio primeiro encontro, o da prisão, para remediar esta ausência indesculpável.

É claro que na prisão existem vários tipos de pessoas, desde réus primários que cometeram crimes banais, como portar pequena quantidade de entorpecente, té criminosos de alta periculosidade, cuja reinserção social é mais difícil de ser conseguida. Mas uma coisa é certa, a esmagadora maioria deles está abaixo da faixa dos trinta e cinco anos de idade e, em regra, presa por crime patrimonial ou por problema relacionado com a venda de psicotrópicos, crimes cuja força motriz desencadeante é quase sempre o salve-se quem puder que assola a camada mais baixa da população. Somente com investimento maciço em educação complementar e formação profissional mínima, estes jovens terão alguma chance de se libertar da vida bandida e enxergar alguma esperança de vida honesta fora da prisão. Se estivesse cuidando de cães com raiva, a política penitenciária brasileira estaria neste momento comprando coleiras em vez de remédios.

Fábio Tofic Simantob é advogado criminalista e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

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