Os acontecimentos ocorridos recentemente no Rio de Janeiro demonstram aquilo que já se sabia. Não existe crime organizado no Brasil(1). Aliás, as evidências são outras, totalmente distintas. As imagens que percorreram o mundo e invadiram os nossos lares apenas reforçam essa conclusão. E a reforçam porque mostram um bando desorganizado, em fuga, agindo instintivamente e incapaz de enfrentar as forças de controle do Estado. Reside aqui o ponto central da presente reflexão.
Nesse sentido, deve-se ponderar que a criminalidade existente nos morros cariocas apenas existe por ineficácia absoluta do estado, que se demonstrou incapaz de enfrentar, durante anos, a mais primária forma de sociedade criminosa que é aquela praticada por bandos.
Ocorre, contudo, que essa constatação, nitidamente equivocada, – no sentido de que existia crime organizado em nosso pais -, projetou efeitos diretos na política criminal produzida pelos nossos agentes de criminalização, fomentando a expansão do direito penal enquanto símbolo do poder punitivo do estado.
Note-se: foi em nome do combate ao crime organizado que, paulatinamente, passamos a assistir no mundo jurídico a restrição de determinadas garantias individuais. Tais restrições, infelizmente, foram recepcionadas pelo próprio judiciário e contaram com o apoio incondicional da opinião pública e de boa parte da imprensa.
Dentre tais restrições destacam-se: o uso abusivo da prisão cautelar (inviabilização de liberdade provisória ao acusado de tráfico)(2); o uso indiscriminado de interceptações telefônicas (primeiro método de investigação)(3), o recrudescimento do sistema penal como um todo (aumento das penas e das figuras típicas, execução penal mais severa).
A propósito, esse discurso político criminal, se analisado de forma crítica e honesta, independentemente da premissa que o sustente, demonstra-se frágil, contraditório e irracional. Ora, esse discurso, um tanto quanto esquizofrênico, reclama, em um primeiro momento, por mais direito penal. Frise-se que se busca fundamentar esse pleito “no necessário combate a criminalidade”. Em um segundo momento as agências de criminalização se submetem a essa imposição e expandem o direito penal. No momento seguinte se verifica que a finalidade pretendida não foi alcançada, daí, ao invés de se reestruturar o discurso, segue-se a mesma receita, mais direito penal. Esse ciclo vicioso e irracional é injustificável e intelectualmente desonesto. Principalmente hoje, quando é nítido que referido ideário se funda em premissa absolutamente equivocada- a toda evidência não existe crime organizado em nosso país.
Portanto, se espera urgentemente – a reestruturação do discurso político criminal brasileiro, o que demandará o amadurecimento da sociedade. Em outras palavras, precisamos de menos direito penal – esse monstro deve ser contido e de mais políticas públicas que emancipem o cidadão – educação de base.
Notas:
(1) Alguns penalistas mais lúcidos, há muito, já afirmavam. Dentre eles destacam-se: Jacinto Coutinho, René Dotti e Juarez Cirino dos Santos.
(2) O Supremo acaba de reconhecer, finalmente, a repercussão geral da matéria.
(3) Embora a lei afirme em sentido contrário. Os alunos que fizeram o último exame da ordem sabem do que se está a falar.
Alessandro Silverio é advogado criminalista e professor de Direito Penal da Universidade Positivo.