Hoje comemoramos o nascimento de Jesus Cristo. E um milagre que não lhe atribuímos, pois seria falta de respeito. É dia de lembrar o Salvador, aquele que está sentado à mão direita de Deus e que, quando homem, revoltou-se contra os vendilhões do templo, mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, fazendo justiça na distribuição de bens e direitos. Não aconselhou a apropriação indébita nem de coisas nem de almas.

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O milagre que hoje assistimos (e vivemos) neste Brasil cristão é que estamos sobrevivendo, embora não se dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. César fica com tudo, inclusive com a plena indulgência de toda uma nação que se sente desapropriada. Melhor dizendo, roubada.

O milagre não é o de que caminhemos para a frente, pois isso pode ser ilusão de ótica ou manipulação de números. O milagre não é que fiquemos estagnados, pois este é um fato difícil de comprovar. O milagre não é retrocedermos, pois os fatos dizem que isso não acontece, embora os atos nos empurrem para trás. Milagre é que não afundemos, pois é certo que vivemos em terreno móvel e perigoso, um ?mar de lama?, como define licença poética tétrica usada nos discursos políticos e nas quase sempre inúteis críticas aos descaminhos dos nossos governantes.

O povo brasileiro conforma-se com os infortúnios e as vicissitudes e agarra-se à fé. É Deus quem sabe! Será o que Deus quiser! Deus ajuda! Empurramos para ele a solução dos nossos problemas.

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A esperança é de que os que hoje zombam dos nossos direitos e os sonegam; que nos roubam e enchem o pandulho com o fruto do suor dos nossos rostos; sonegam o pão, a casa, a escola, a segurança de milhões de nossos irmãos e fazem de seus mandatos, que nós lhes outorgamos, uma licença plena para delinqüir, um dia sejam colocados em frente ao Senhor e este os julgue. E faça justiça.

Nós costumamos renunciar ao nosso direito e inalienável dever de, aqui mesmo, fazer um julgamento prévio e aplicar as penas das leis dos homens, que existem, mas não vigem. À custa de anos e anos como sacos de pancadas, os brasileiros passaram a não mais se indignar e renunciaram ao seu direito de exigir o que é seu. E exigir principalmente respeito pelos direitos que Deus lhes concede e uma enorme pirâmide de leis deveria assegurar.

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Neste Natal, piedosamente, aceitamos que irão para o céu os que nos roubam e corrompem. E nem desconfiamos que nós, quando permitimos que conspurquem, denigram as mais decentes regras da nossa sociedade, dita democrática, é que estamos nos condenando às penas do inferno. E inferno aqui mesmo na terra, pois Jesus, que hoje completaria 2005 anos, não pode assumir a carga de resolver, em outra vida, os males que não soubemos ou não quisemos enfrentar. E os pecados que nos cabia punir, mas que julgamos seria cristão perdoar.

A cada minuto há uma criança morrendo de fome e miséria neste Brasil. Conformamo-nos, pois há dois milênios nasceu na Galiléia um menino que pregou a justiça e a bondade a vida inteira. E, mesmo assim, foi crucificado pelos políticos.