Merece elogios a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de lançar um programa de microcrédito para famílias de baixa renda. É uma medida sensata de um presidente que, na campanha eleitoral, havia se comprometido a colocar o Estado a serviço das camadas sociais economicamente menos favorecidas. O problema é que o programa apresenta pelo menos três equívocos graves.

O primeiro deles é que atinge apenas parcialmente seu objetivo de ser uma alternativa aos juros altos. Na prática, o sistema de microcrédito oferecido pela CEF também oferece juros muito acima dos índices de inflação mensais. A Caixa Econômica Federal está oferecendo empréstimos de no máximo R$ 200 com taxa de juros de 2% ao mês mais IOF (Imposto sobre as Operações Financeiras). Segundo o INPC/ IBGE, porém, a inflação de agosto foi de 0,18%. E o IOF cobrado dos tomadores de empréstimos geralmente é de 0,0041 ao dia, pelo período contratado.

Dessa forma, porém, fica claro que o programa acabará sendo lucrativo para a CEF. É exatamente o que ocorre com o Grameen Bank, banco sediado em Bangladesh especializado na área de microcrédito. Mas há uma diferença substancial em relação aos dois bancos. Juridicamente definido como sociedade anônima, o Gramenn tem como acionistas os próprios tomadores de empréstimos, que pagam US$ 2,00 por ação e controlam 90% do banco.

Outro problema do programa do governo é uma contradição elementar que marca a CEF. O banco que está oferecendo o sistema de microcrédito é o mesmo que possui um dos maiores lucros entre as instituições financeiras nacionais. Cobrando juros de mercado iguais aos de qualquer banco privado (9% a 11% mensais), a Caixa Econômica Federal fechou 2002 com um lucro líquido de R$ 1,081 bilhão. Apenas como comparação, o Grameen Bank tem lucros bem mais modestos – de 0,24% a 0,55% sobre a receita e, mesmo assim, apresenta sempre resultados positivos.

Finamente, o programa de microcrédito do governo comete um último equívoco, de ordem puramente conceitual. Haveria pelo menos cinco formas que, acionadas em conjunto, possibilitariam ao governo melhorar a qualidade de vida das pessoas mais pobres, impedindo-as inclusive de recorrer a empréstimos baratos para pagar suas contas. Uma delas seria exigir o cumprimento do dispositivo constitucional que limita em 12% a taxa de juros anual. O governo também poderia aprovar o projeto que impõe uma taxação pesada sobre as grandes fortunas, destinando esses recursos à melhoria da saúde e da educação pública e à construção de moradias populares a baixíssimo custo.

Um terceiro mecanismo seria tributar apenas os lucros, e não os salários, como hoje em dia, no Imposto de Renda. O governo poderia também, ainda em relação ao IR, rever a tabela do imposto, ampliando o limite de isenção e tributando pesadamente as maiores faixas salariais. Finalmente, o Palácio do Planalto poderia cobrar com mais seriedade os grandes devedores da CEF, do Banco do Brasil e do BNDES, aplicando esses recursos em programas sociais. A solução do problema está nas mãos do governo, portanto. Para isso, porém, basta ter vontade política. É o que esperamos do presidente da República.

Aurélio Munhoz (política@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política de O Estado do Paraná e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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