.

O mercado do corpo humano

A expressão Biopirataria surgiu em 1993, quando foi utilizada por uma determinada organização não-governamental que visava a chamar a atenção para o fato de empresas multinacionais e instituições científicas estarem subtraindo e patenteando os recursos biológicos e os conhecimentos indígenas sem autorização dos governos.

A finalidade era denunciar os abusos que vinham sendo cometidos com relação às comunidades tradicionais que utilizaram durante séculos os recursos e geraram os conhecimentos a respeito deles, mas que não estavam participando dos lucros provenientes da comercialização de produtos farmacêuticos e cosméticos, desenvolvidos a partir de suas idéias originais.

Diante disso, percebe-se que a biopirataria abrange a apropriação de plantas, animais e conhecimentos, além de amostras de tecidos orgânicos, genes e células com potencial para serem explorados economicamente.

Trata-se de uma operação muito especializada, caracterizada pelo contrabando dos recursos naturais e da aprendizagem dos conhecimentos tradicionais, para serem posteriormente registrados individualmente.

Países como Brasil, Peru, Venezuela, Zaire, Madagascar, Colômbia. África do Sul, Malásia, Indonésia, Guiana, Senegal, Vietnã, Índia e outros são bastante visados pelos biopiratas. Os maiores interessados nos produtos vão desde colecionadores até laboratórios nos Estados Unidos.

O Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia, da Informação e do Desenvolvimento (CIITED), considera que a biopirataria consiste na transferência de recursos genéticos (animal/vegetal) e, ou conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade sem a expressa autorização do Estado de onde fora retirado o recurso ou da comunidade tradicional que mantém um determinado conhecimento.

Além disso, entra ainda na noção de biopirataria a não-repartição justa e eqüitativa entre os Estados, corporações e as comunidades tradicionais dos benefícios oriundos da exploração comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos.

Isso fere diretamente os preceitos da Convenção sobre Biodiversidade Biológica, a qual prevê não só a repartição dos benefícios entre todos os envolvidos, como também o consentimento prévio informado, ou seja, a permissão ou autorização das populações tradicionais para que terceiros possam adentrar territórios, coletar amostras da biodiversidade e aprender conhecimentos acumulados.

A moda de nosso atual século é a Biopirataria de material genético humano, sendo hoje apresentadas duas concepções referentes ao corpo humano, mercadoria ou valor, visto que a doutrina filosófica e religiosa, bem como a história e a lei deixaram diversas opiniões relacionadas aos comportamentos individuais e às mudanças tecnológicas, fazendo com que a atual sociedade defronte-se com uma realidade de concepção absolutamente nova com relação ao passado, considerando-se os grandes avanços da ciência.

Essas mudanças permitem a remoção, modificação, transferência e o uso, de partes separadas do corpo humano, de gametas, de embriões em benefício de outras pessoas, principalmente em casos de saúde, mas não somente por essa razão.

Sendo ainda possível até prever que em aproximadamente dez anos uma ampliação das possibilidades técnico-científicas nesses campos será presenciada, bem como um acréscimo das vantagens imediatas, acessíveis para alguns ou para muitos indivíduos e até mesmo uma evolução nas ofertas das empresas bioindustriais relacionadas à saúde, sem contar com o aumento dos conflitos de interesses e de idéias.

Infelizmente nossa sociedade ainda não apresenta um direito forte e atuante, bem como investimentos precisos para alterar o conceito que foi formado com base em pareceres econômicos e políticos e urgentemente, a sociedade deve refletir os avanços científicos e a exploração econômica; de maneira alguma a, humanidade deve permitir que patentes de material genético humano sejam permitidas; cada vez mais a sociedade necessita de educação e satisfação pessoal-profissional, para não incidir no erro de comercializar o próprio sangue ou partes de seu corpo.

É certo que o ser humano precisa de soluções para determinadas doenças e males que podem destruir toda a humanidade, porém as soluções devem surgir de maneira legal e beneficiar todos os seres humanos sem nenhuma discriminação de raça, cor, sexo e religião.

Deve-se considerar que o desconhecimento às ciências da vida e os dilemas da condição humana na sociedade contemporânea, associados ao grande impacto da biotecnologia, são fatores relevantes para que novas normas sejam impostas e que o Estado tente da melhor forma possível exercer seu papel, enquanto ainda há tempo.

Vanessa Iacomini é presidente do Instituto Brasileiro de Biodireito. Professora de Biodireito e Direitos Humanos.
vane_iacomini@hotmail.com

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna