Viveu em Curitiba, há muitos anos, um estudante que se tornou folclórico por suas brincadeiras. Costumava ir ao Passeio Público com um microfone à mão, como se estivesse falando para uma emissora de rádio. E propagandeava: “Aqui é a Rádio Progressista, falando de onde o proletariado se diverte”.
Naquele tempo, o Passeio Público de Curitiba era freqüentado nos finais de semana quase que exclusivamente por famílias de trabalhadores. Um dia, o estudante, que era conhecido como Pirata, fez no microfone um discurso inflamado, propondo uma solução definitiva para as esperanças e conseqüentes frustrações dos eleitores, diante da não-realização pelos políticos eleitos das promessas de campanha.
Pirata propunha que, ao invés de eleições, escolhêssemos os governantes por sorteio. Concorreriam todos os partidos, cada um com suas chapas. Se no sorteio saísse, (para exemplificar, vamos usar siglas atuais), o PSB, seus homens assumiriam os postos executivos e legislativos. Se, depois de certo tempo, não cumprissem o prometido em campanha, seriam todos fuzilados e um novo sorteio seria feito. Se saísse o PSDB ou o PT, aconteceria a mesma coisa. Todos fuzilados, a menos que a turma de um dos partidos efetivamente cumprisse o que prometeu ao povo, não o frustrando.
Uma idéia estapafúrdia, antidemocrática. Quase tão antidemocrática quanto o sistema atual, em que os partidos apresentam programas e seus candidatos e a prática no poder nada tem a ver com o discurso de campanha. A frustração do eleitor é quase inevitável.
Há a malandragem da demagogia, da mentira, do vale-tudo para ganhar as eleições. Prometem mundos e fundos e depois esquecem. Ou nem cogitam, nas campanhas, de que o que prometem é irrealizável. Muitas vezes, entretanto, há boa-fé de partidos e de políticos, mas a ignorância de quão é diferente a visão dos problemas de um país desde a oposição e do alto do poder. Promete-se o justo, o necessário, o desejado pelo povo, mas muitas vezes isso é impossível ou sai muito caro. Ou se usa da melhor eloqüência para condenar o governante que se deseja substituir, muitas vezes atacando-o com quatro pedras na mão, para depois descobrir que ele estava fazendo o possível, mesmo que mais ou menos, e que não se é capaz de fazer melhor. Ainda, que o que se condenou como oposição, ter-se-á de repetir, quando no poder, pois não existem muitos caminhos e os que se apontaram como oposição mostraram-se como quimeras.
Isso explica o mea culpa que altos próceres do governo federal atual fazem hoje, muitas vezes se auto-recriminando por terem combatido e obstruído medidas do governo que sucederam e condenando medidas governamentais que estão tendo de repetir, muitas vezes em doses mais fortes e amargas.
Hoje, o que faz o governo petista e o que fez o do PSDB só é visivelmente diferente em grau. No mais, é praticamente o mesmo, seja na política cambial, na de juros, nas demais medidas de ajuste fiscal e nas relações com o mercado e organismos financeiros internacionais como o FMI.
E ainda surge a desagradável, senão injusta contingência de ter de endurecer com as correntes mais à esquerda do PT, as históricas e por isso mais autênticas, que não se conformam com a continuidade de uma política que sempre combateram. O atual governo procura, desesperadamente, livrar-se do pecado original, nem que para isso tenha de punir por infidelidade os seus fiéis mais ortodoxos.