Ao rechaçar a possibilidade de adiamento da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, do dia 1.º para o dia 6 de janeiro, o presidente Fernando Henrique Cardoso alegou que não queria entrar na História como o presidente que teve seu mandato prorrogado, ainda que por apenas cinco dias. Disse ainda que a emenda constitucional para alterar a data de posse não poderia valer nem mesmo para o sucessor de Lula, já que o petista foi eleito para cumprir quatro anos de mandato, e não quatro anos e cinco dias. Ora, se o mesmo raciocínio fosse aplicado à emenda da reeleição, ela não poderia valer para FHC, pois o atual presidente foi eleito pela primeira vez sem direito a disputar um segundo mandato.
FHC não poderá ser lembrado como biônico, mas ficará marcado como o presidente que conseguiu aprovação da emenda da reeleição graças à compra de votos. Este episódio gerou um escândalo que resultou na renúncia dos deputados Ronivon Santiago e João Maia e em pedidos de cassação contra outros parlamentares. Será lembrado como o presidente que manteve a inflação sob controle, mas também como o que implantou uma política econômica desastrosa, provocando desemprego e arrocho salarial, além de tornar o País extremamente dependente do capital especulativo e vulnerável a qualquer crise no mercado externo.
Também são questionáveis as privatizações feitas pelo governo FHC. Eram realmente necessárias? Foram benéficas ao País? O processo foi conduzido de forma correta? Há quem diga que não. Outro foco de suspeitas no governo do professor Cardoso é o Proer. O presidente se empenhou ao máximo para evitar a criação de uma CPI do sistema financeiro. No segundo mandato, FHC abortou outra comissão, para investigar a corrupção no governo. Tucanos que assinaram o pedido de criação da CPI foram forçados a deixar o partido. Se não houvesse nada a temer (sem trocadilho), por que não se permitiu a investigação?
FHC foi ainda o presidente que atropelou a Constituição para baixar a Medida Provisória que desindexou os salários. A irredutibilidade salarial está lá, no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais. Mas FHC simplesmente ignorou esse princípio e desobrigou os patrões de reajustar os salários dos trabalhadores, repondo as perdas provocadas pela inflação. Agora é na base da “livre negociação”, como se houvesse equilíbrio de forças entre capital e trabalho. Muitas categorias estão tendo perdas salariais, o que é inconstitucional. Como também é inconstitucional um salário mínimo que não atende as necessidades do trabalhador e de sua família com alimentação, saúde, educação, higiene, transporte, vestuário, lazer e previdência social.
O pior é saber que, nas condições em que vai assumir o governo, Lula deverá frustrar as expectativas dos eleitores, que esperam uma solução para o problema dos salários. Agora, até o PT está disposto a manter o arrocho salarial, alegando, no estilo neoliberal, que qualquer mecanismo para preservar o poder aquisitivo do povo poderia “realimentar” a inflação.
Ari Silveira
(Ari@Pron.com.br) é chefe de Reportagem em O Estado