Ilustração: Dante Mendonça. |
Está decidido. Até que se encontre uma solução definitiva ou se trombe contra decisão de Justiça, fica proibido o jogo do bingo em todo o Brasil. A medida que pretende acabar com a farra do jogo, leva também para o ferro-velho ou para a clandestinidade milhares de máquinas caça-níqueis e toda uma estrutura que, segundo a Abrabin – Associação Brasileira de Bingos, deixará de um momento para outro sem trabalho pelo menos 320 mil pessoas e suas famílias. Um espetáculo às avessas a rivalizar com a folia momesca. Já que o jogo ameaçava acabar com a credibilidade do governo, acabe-se com o jogo.
Ao anunciar a decisão, tomada depois de longos dias de silêncio, muita meditação e alguns conselhos, o presidente Lula falou com convicção. Repetiu em terras gaúchas o que a mãe analfabeta lhe recomendou no Nordeste: “Meu filho, a única coisa que você não pode perder nunca é o direito de andar de cabeça erguida e olhar seu semelhante no olho”. Andar, até que dava. Mas o olho no olho estava ficando complicado com tanta fumaça ao redor do principal ministro do governo, o capitão do time José Dirceu.
Na prática, a medida de Lula apenas complica mais a questão, em vez de resolvê-la. Ou melhor, de clareá-la. É como destruir armas para resolver o problema da guerra sem considerar os guerreiros de sempre. Remete para o Congresso o debate, fazendo de conta que o governo realizou a sua parte. O fato novo pretende, claramente, colocar uma pedra sobre o “Waldogate” que, apesar do Carnaval, não perdeu sua força. Deu palco a Lula para esbravejar que “não haverá nenhum indício (e Lula ressaltou que nem estava falando em denúncias) que envolva práticas ilícitas de corrupção neste governo que não seja investigado até o fim”.
Nem tudo pode ser visto sob a ótica de Lula, encurralado por um problema que poderia ter sido evitado há pelo menos mais de ano, quando o ministro José Dirceu tomou conhecimento (pelo menos esta é a versão oficial) de que seu assessor especial estava envolvido com o submundo da jogatina. A Ordem dos Advogados do Brasil, através de seu presidente Roberto Busato, considera a medida como um ato meramente demagógico, mais um passo na estratégia de “blindar” o principal homem do governo depois do próprio presidente. “É lamentável – disse ele – que somente depois da porta arrombada o governo procure tomar decisões que têm como único objetivo blindar o ministro José Dirceu”.
Tem alguma razão Busato, pois se fosse para limpar o País um pouco mais fundo, decisões desse tipo teriam que atingir também o jogo do bicho. Os jogos de azar (mas o simples bingo é de azar?) servem à criminalidade e deveriam ser banidos, mas, segundo o presidente da OAB, “todas essas questões precisariam ser tratadas de forma séria e não episódica, para servir a momentos de crise envolvendo funcionários graduados do Poder.”
Se fica tudo fechado, ou se estatiza tudo como quer mais recentemente o ministro da Justiça, Thomaz Bastos, demonstrando que o governo ainda não tem certeza do que faz, o que não se pode perder de vista é tudo quanto diz respeito aos casos do passado. Afinal, temos um estopim pegando fogo e ameaçando gravemente o coração do governo. Sem ir às últimas conseqüências, o fechamento das casas de jogos poderia se assemelhar ao caso do sofá da sala. Na história, o marido, além de traído, é ingênuo, coisa que não se pode dizer dos que ocupam o Planalto.
Para que Lula (e todos os demais) possa olhar nos olhos dos brasileiros sem nuvens nem travas, não bastam bravatas que, além do mais, criam também problemas sociais, como o desemprego já em índices insuportáveis. À mulher de César, diziam os antigos, não convém apenas que seja honesta; é preciso que assim pareça. E, além de tudo, seja trabalhadeira. No objetivo de salvar Dirceu, Lula apenas atropelou um debate que já se arrastava no Congresso há muitos anos.