O lazer dos juízes e a imagem da Justiça

Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, de 7 de novembro de 2011:

A magistratura brasileira mostrou novamente o quanto está divorciada da realidade. Desta vez a iniciativa partiu dos juízes trabalhistas. Para promover um torneio esportivo da corporação em resort situado numa das mais badaladas praias do litoral de Pernambuco, entre 29 de outubro e 2 de novembro, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) pediu o patrocínio de empresas estatais e privadas. O torneio contou com a presença de 320 magistrados – acompanhados de seus familiares – e envolveu competições que foram do tiro esportivo a dominó e pingue-pongue, num total de 11 modalidades.

O montante arrecadado pela Anamatra foi de R$ 180 mil, e entre as empresas contribuintes destacaram-se o Banco do Brasil, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), a AmBev, a Qualicorp e a Oi. Em termos de marketing, o evento era irrelevante e as doações dos patrocinadores – justificadas como “publicidade corporativa” – nada renderam em matéria de retorno de imagem. O problema é que essas empresas são, em sua maioria, partes em ações judiciais que terão de ser por eles julgadas.

Por mais desinteressado que tenha sido o patrocínio dessas empresas aos “Jogos Nacionais da Anamatra”, o evento ganhou as manchetes dos jornais não pelos recordes batidos por juízes trabalhistas em torneios amadores, mas pela suspeição de tráfico de influência levantada por advogados e promotores. Essa suspeição também foi a marca do torneio esportivo que os juízes federais tentaram promover entre 12 e 13 de outubro na Granja Comary, em Teresópolis, com base num acordo firmado entre a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Confederação Brasileira de Futebol. Pelo acordo, a CBF cederia o campo onde treina a seleção brasileira e arcaria com as despesas de hospedagem de juízes e familiares.

Como o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, está sendo acusado de enriquecimento ilícito e de lavagem de dinheiro, a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, lembrou que os juízes federais não podem receber favores de quem é – ou pode vir a ser – parte em ações judiciais que terão de ser por eles julgadas. Os dirigentes da Ajufe alegaram que os juízes federais não receberiam vantagens financeiras da CBF e que a Ajufe é uma associação privada, mas o torneio na Granja Comary acabou não sendo realizado.

Após a realização de seus “Jogos Nacionais”, a Anamatra deu declarações semelhantes às da Ajufe. Em seu site, a entidade alegou que o objetivo do evento foi propiciar “a interação, o convívio, a troca de experiências e o estreitamento dos laços entre todos os que fazem a Justiça do Trabalho”, além de estimular a saúde física dos magistrados. Uma pesquisa entre os juízes trabalhistas teria, segundo a Anamatra, apontado altos índices de obesidade, hipertensão, depressão e sedentarismo entre os juízes, decorrentes, entre outros motivos, “da alta carga de trabalho e da pressão por crescente produtividade”. As explicações, contudo, não conseguiram responder à crítica de que a busca de patrocínios compromete a imagem de isenção do Poder Judiciário. E também não conseguiram explicar por que os juízes podem aproveitar feriadões para “enforcar” dias úteis de trabalho, se a carga de trabalho é alta.

Diante da má repercussão do malogrado torneio de futebol da Ajufe no campo da seleção brasileira e dos “Jogos Nacionais” da Anamatra, a Corregedoria Nacional de Justiça anunciou que apresentará nas próximas sessões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma proposta de resolução regulamentando o patrocínio de empresas públicas e privadas a eventos promovidos por entidades de magistrados, sejam eles seminários acadêmicos ou simples convescotes esportivos. Aos juízes que alegam que o CNJ não tem competência legal para impor regras a associações particulares, a corregedora Eliana Calmon responde que o problema não é apenas jurídico – mas também &e,acute;tico e moral.

“Por momentos de lazer momentâneo, coloca-se em risco a reputação da magistratura”, diz o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, aplaudindo a iniciativa moralizadora da corregedora nacional de Justiça.

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