O juízo agrário

No Brasil de muitas justiças, uma novidade está para nascer: o juízo agrário. Será, como se anuncia, um braço do Judiciário normal, com treinamento especial. Em torno da idéia já se meteram de acordo representantes do Executivo, do Legislativo e também do Judiciário. Todos tiveram a preocupação de deixar bem claro à nação que o novo serviço não acarretará custos adicionais aos cofres públicos. Pelo menos – é fácil imaginar – por enquanto.

A idéia é aparentemente simples. Como em tempo de guerra, treinam-se generais para situações especiais, os juízes agrários passarão por um preparo específico para lidar com os conflitos do campo. Serão itinerantes. Ou nômades, como melhor aprouver a cada um. Onde houver uma invasão, lá estarão eles para o deslinde do entrevero. Ninguém explica – mas certamente os especialistas já pensaram nisso – como é que ficam as coisas ligadas à competência, foro e assemelhados.

Segundo se anuncia, a idéia nasceu de um pedido recente do presidente Lula, preocupado, depois do abril vermelho, com a onda de invasões de fazendas e prédios públicos que antecedeu as eleições, ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal. Na época, especulou-se sobre a criação de uma justiça especial, como acontece com a Justiça do Trabalho, a Justiça Militar ou a Justiça Desportiva. A proposta não foi adiante porque, de pronto, tomou logo corpo o argumento segundo o qual não é a especialidade da justiça que salva o cafezal, mas seu funcionamento efetivo, sem a burocracia de agora, sem a lentidão de sempre. Ademais, que faria uma hipotética Justiça Agrária – com estrutura própria e tudo o que disso decorre – no dia em que os problemas das invasões e, mesmo, da Reforma Agrária em curso, fosse resolvido?

Mas a excepcionalidade das invasões e, por conseqüência, dos conflitos agrários, incomoda a muitos. O próprio líder máximo dos sem terra, Pedro Stédile, reclamou diversas vezes que os juízes comuns ou ordinários não costumam ter o preparo, nem a sensibilidade requerida para tratar de algumas questões nas quais ele imagina ser professor. É claro que o conceito pode espelhar apenas o jus esperneandi dos inconformados com decisões que, com freqüência, seus comandados não têm o hábito de dar acato. No front dos fazendeiros, proprietários e invadidos, o desconforto com a demora na tomada de algumas decisões também é conhecido. Muito mais ainda pelas decisões não cumpridas, as reintegrações não executadas, nem mesmo sob ameaça de intervenção federal em governos regionais. No próprio governo, de estreitas ligações com a luta campesina, a preocupação foi se acentuando à mesma proporção em que o número de invasões foi extrapolando os limites antes vistos.

A fórmula preconizada (e com a qual concordaram inclusive os integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito -CPI da Terra, presidida pelo paranaense Alvaro Dias) tem a vantagem da possibilidade de imediata execução, tanto que já se fala na criação dos primeiros cinqüenta cargos de juízes com a nova função. No próximo dia 15, conforme foi anunciado, os membros do Conselho da Justiça Federal têm reunião marcada para, na Bahia, aprovar proposta de emenda constitucional que prevê a existência desses magistrados. Isso feito, o próprio governo se encarregaria do resto, encaminhando ao Congresso Nacional a proposta para ser apreciada em regime de urgência urgentíssima. Ritos e procedimentos seriam, enquanto isso, definidos em estudo a cargo do Ministério da Justiça.

O propósito final, que é alcançar maior celeridade no processo de decisão sobre os conflitos no campo, é, também, o que se espera de toda a Justiça, que continua emperrada e sem as reformas requeridas. Que não se perca essa visão, pelo menos.

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