Debate atual envolvendo interesse da imprensa brasileira refere-se à necessidade ou não de formação universitária específica para a obtenção de registro profissional de jornalista. Trata-se de saber se o exercício dessa atividade laboral exige a conclusão de curso superior e se o registro na categoria de profissionais está condicionado à prévia conclusão do curso universitário.

A Constituição Federal, no art. 5.º, inciso XIII, declara ser direito fundamental a liberdade para o exercício de qualquer ofício ou profissão, “atendidas as qualificações que a lei estabelecer”. O fim da norma constitucional está na vedação imposta ao Estado de limitar a atividade laboral, permitindo que todos se orientem por suas vocações, desejos ou necessidades, mas desde que a opção não revele transgressão a qualquer norma proibitiva.

O direito fundamental consiste em qualquer cidadão poder escolher livremente a profissão, impondo-se a limitação da parte final do dispositivo[1] em face da constatação de que alguns ofícios, liberais ou não, pressupõem risco à sociedade ou ao próprio Estado. O ponto central da norma constitucional, entretanto, não está na possibilidade de estabelecimento de condições, mas na fixação da regra que assegura a liberdade: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão”. Não é o Estado que determina a profissão, mas o homem e as suas aptidões, necessidades e conveniências.

De ver-se que a atividade profissional implica a necessidade de impor normas que assegurem, de um lado, a organização da categoria, e, de outro, um padrão ético mínimo de atuação. Ocorre que algumas destas profissões importam sempre o receio de que o seu exercício, sem o freio de uma disciplina legal, possa traduzir prejuízo a terceiros, ao próprio Estado ou a toda sociedade, justificando, assim, em análise simples, a exigência de sua submissão à prévia regulamentação imposta pela ordem jurídica. Sob outro aspecto, convém anotar que a falta de ordenação da atividade de profissionais de determinada área causa a fragmentação, isolamento e a ausência de coesão, capazes não só de inviabilizar um mínimo de padrão ético, mas de especialmente fragilizar seus integrantes e a defesa de seus seus interesses. A organização da atuação das categorias profissionais permite, ainda, a realização de fiscalização interna, autônoma, relegando-se a ação interventiva do Estado para as situações graves, como as resultantes da prática de ilícito penal. Por isso, a necessidade de disciplina do exercício profissional não agride o regime democrático. Ao contrário, prestigia-o.

A maneira como se realiza a verificação da habilitação profissional e o instrumento de habilitação, qual seja, o registro, são assuntos dos quais se deve ocupar o legislador, exigindo processo seletivo, habilitação ou mera diplomação. A necessidade da habilitação, da qualificação ou do atendimento de qualquer requisito requer a demonstração da sua própria pertinência, efetuada, sobretudo, a partir do exame da razoabilidade da regra legal. Com isso, não pode o legislador deixar de exigir, em todas as atividades, o atendimento da habilitação especial.

No que tange à profissão de jornalista, há expressa imposição legal que impõe a condição da existência de diploma de nível superior[2], sendo que as dúvidas estão relacionadas à recepção daquela norma em face da Constituição Federal de 1988[3].

Permeia o debate jurídico, que se realiza na senda do Direito Constitucional, a constatação de que a disciplina do exercício profissional do jornalismo está ligada ao regime democrático, na medida em que a garantia da liberdade de imprensa e a adequada divulgação de fatos e informações interessam ao Estado e à sociedade civil.

Os críticos da necessidade de regulamentação entendem que a profissão de jornalista deriva diretamente de aptidões que não podem ser medidas ou não são objetivamente reveladas. O jornalismo seria resultado de manifestação artística e não mera profissão. Para eles, qualquer pessoa pode revelar o domínio de escrever, falar, informar, não dependendo de conhecimentos científicos disponíveis apenas para os que freqüentaram bancos universitários. A regulamentação do Decreto-lei n.º 972/69, portanto, teria desaparecido com a nova ordem constitucional advinda da Carta Magna de 1988. Em outras palavras, seria inconstitucional aquela exigência.

O debate ganhou intensidade porque o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a exigência do diploma para o registro profissional e obteve decisão liminar, aguardando-se agora o desfecho dos recursos interpostos.

Em sentido oposto, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que subsistem as exigências do Decreto-Lei n.º 972/69, assinalando que “as condições legais estabelecidas para o registro de jornalista profissional são específicas, banindo interpretações extensivas ou abrangência na compreensão do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. O registro depende de atendimento das condições estabelecidas em lei”[4].

Cremos ser constitucional a regra legal em face do texto atual da Carta Magna, ou seja, o registro deve depender de formação superior específica.

A justificativa para a exigência da habilitação deriva do reconhecimento de que a atividade do jornalismo necessita, quando efetuada de modo profissional, de conhecimentos específicos, relacionados com a Sociologia, Comunicação, História e discussão de problemas contemporâneos, além de técnicas de redação. Questões derivadas dessas matérias compõem o acervo de conhecimento mínimo que o jornalista profissional precisa possuir, sem prejuízo da óbvia compreensão da deontologia específica.

Não convencem os argumentos de que outros países não exigem a formação universitária e de que na história do jornalismo localizam-se excelentes exemplos de exímios profissionais sem qualificação legal. A formação educacional brasileira é precária e os ciclos ginasiais não bastam ao estudo dos temas mencionados, assim como a exigência legal não inviabiliza a exteriorização do pensamento por profissionais de outras áreas. Assim, o médico, o advogado, o sociólogo ou músico que pretendam ser articulistas de suas idéias, tornando-as públicas em veículos de comunicação, poderão continuar a fazê-lo, mas não se apresentando como jornalistas[5]. Os artigos, editoriais, opiniões, enfim, a livre expressão do pensamento, não são tolhidos pela necessidade de regulamentação da atividade profissional do jornalismo, reservada para quem é, na forma da lei, jornalista.

Notas

[1] Parte final do inciso XIII do art. 5.º da CF: “Atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

[2] Art. 4.º do Decreto-lei n. 972/69.

[3] Art. 5.º, XIII.

[4] Mandado de Segurança 7.149, DF, rel. Ministro Mílton Luiz Pereira, j. 29.05.2001. No mesmo sentido: MS 180, DF, rel. ministro Geraldo Sobral, DJU 6.11.89.

[5] BETH COSTA. Diploma em Jornalismo: uma exigência que interessa à sociedade. In Formação Superior em Jornalismo – Uma exigência que interessa à sociedade. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, 2002, p. 30.

Damásio de Jesus é especialista em Direito Penal, advogado e professor, foi procurador de Justiça e tem representado o Brasil junto à Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas/ONU.

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