O Indivíduo tem personalidade jurídica de Direito Internacional Público?

Ora, se o direito internacional contemporâneo reconhece aos indivíduos os direitos e deveres (como o comprovam os instrumentos internacionais de direitos humanos), não há como negar-lhes personalidade internacional, sem a qual não poderia dar-se aquele reconhecimento. [TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Personalidade e Capacidade Jurídicas do Indivíduo como Sujeito do Direito Internacional. ANNONI, Danielle (Org.). Os Novos Conceitos do Novo Direito Internacional: cidadania, democracia e direitos humanos. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 6]

Não têm personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos(…) Muitos são os textos internacionais votados à proteção do indivíduo. Entretanto, a flora e a fauna também constituem objeto de proteção por normas de direito das gentes, sem que se lhes tenha pretendido, por isso, atribuir personalidade jurídica. [REZEK, J.F. Direito Internacional Público. Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2002, 9. ed. p.146.]

As epígrafes mostram as divergências existentes na concepção da subjetividade internacional do ser humano, separando, de um lado, seus defensores intransigentes e, de outro, aqueles que não a admitem em hipótese alguma.

O amplo leque de Tratados e Declarações Internacionais visando à proteção da pessoa é o primeiro argumento dos que defendem a tese do indivíduo como sujeito de Direito Internacional. Realmente existem, tanto no plano internacional quanto regional, um grande número de textos nesse sentido, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além das Convenções temáticas, sobre Direitos das Crianças, Direitos das Mulheres, Eliminação da Tortura, da Discriminação Racial, Genocídio, dentre outras.

Existem, ainda, os mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, no âmbito da ONU, através dos Comitês convencionais ou das estruturas não-convencionais (como Grupos de Trabalhos e Relatores Especiais), e também no âmbito da Organização dos Estados Americanos – OEA, através da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos; da União Africana – UA, através da Comissão Africana dos Direitos dos homens e dos Povos; e da Europa, através da Corte Européia de Direitos Humanos. A esta última, os indivíduos têm acesso direto, consagrando o locus e o jus standi em tribunais internacionais.

Cançado TRINDADE, na obra supracitada, demonstra que o Direito Internacional, na sua gênese, priorizava o indivíduo, a partir do entendimento de que o mundo é formado por seres humanos, a quem todo ordenamento jurídico existente deve se destinar. Os Estados são a forma sob a qual eles se encontram organizados e os meios para instrumentalizar as normas. Para comprovar tal entendimento, reproduz diversas passagens dos autores clássicos da disciplina, tais como Hugo Grócio, Francisco de Vitória, Francisco Suarez, Alberico Gentili, Samuel Pufendorf e Christian Wolff.

Os opositores à idéia da personalidade internacional do indivíduo argumentam que o Direito Internacional Público constitui um conjunto de normas legisladas pelos Estados e a eles destinadas, tendo em vista que são os entes estatais que, voluntariamente, celebram os tratados e demais textos internacionais, aos quais passarão a se submeter. Dessa forma, qualquer instrumento internacional de proteção dos indivíduos teve que passar, para existir, pelo crivo do Estado. Em relação dos direitos humanos, isso ocorre não só em relação aos tratados, pois somente os Estados podem ratificá-los, mas também no que diz respeito às instituições existentes, que são sempre criadas por tratados e precisam receber o reconhecimento estatal para que seus nacionais possam utilizá-las. Conseqüência imediata do aparecimento do positivismo jurídico, o foco desse entendimento está na personificação do Estado, considerado como o sujeito por excelência do Direito Internacional Público.

As divergências em torno do assunto estão longe de serem superadas. Decorrem do próprio entendimento de Direito Internacional, cujo fundamento separa a corrente subjetivista, centrada no voluntarismo estatal, da objetivista, que agrega diversos outros conceitos, muitas vezes com herança jusnaturalista. De qualquer maneira o Estado e o Direito só existem porque existem seres humanos, e estes devem ser a razão da atuação daqueles. É imperativo, portanto, que o indivíduo tenha personalidade jurídica, seja em seu Estado, seja na sociedade dos Estados, que também é a sua.

Tatyana Scheila Friedrich

– mestre/UFPR, professora de Direito Internacional Privado da UFPR e Direito Internacional Público das FIC.

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