O impeachment de Lula

“Não pode haver tolerância à procrastinação do cumprimento de decisões judiciais, sob pena de se colaborar com a desorganização e esfacelamento do Estado.” Assim o advogado curitibano Antônio Carlos Ferreira escreveu no pedido que protocolou dia 29 último, sob o número 16.300, junto à presidência da Câmara dos Deputados, em Brasília. No documento, o advogado pede algo inusitado: a abertura de processo de impeachment do presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

O pedido de impedimento de Lula pode parecer estranho para muitos. Mas tem a boa fumaça do direito. Afinal, é público e notório o corpo mole da autoridade nacional para com invasões e invasores. Na falta de ação para colocar a casa em ordem há, segundo o advogado observa, crime de responsabilidade.

O advogado subscritor do pedido tem mais razões ainda: no dia 19 de maio, ele tinha conseguido no Superior Tribunal de Justiça a aprovação de pedido de intervenção federal no Paraná em função do não-cumprimento de ordem de reintegração de área em Ivaiporã. Esta área, de propriedade de Flávio de Almeida e familiares, foi invadida pelo MST há muito tempo – cerca de oito anos. Com a decisão da Justiça na mão, Antônio Carlos Ferreira não se conforma: “Não seria de acreditar-se que até esta data Sua Excelência, o senhor presidente da República, ante o ofício de requisição de Sua Excelência, o ministro presidente do STJ, não providenciasse o decreto de intervenção federal”, mas, “ao contrário, até esta data, o ignorou”.

A questão é séria, muito séria, em que pese seja lícito supor que em Brasília, mesmo no Congresso Nacional, exista quem não deverá levar na devida conta a propositura do advogado. Mas o presidente Lula certamente pensará com seus botões o que poderia acontecer caso o debate fosse travado nos estritos termos da lei em vigor. Existem, Brasil afora, cerca de 500 invasões no momento, muitas delas repetidas, outras em completo desafio a decisões judiciais que determinaram a reintegração de posse. O recurso ao impeachment presidencial pode ser o último degrau na busca de uma solução pacífica para questões nada pacíficas no campo.

Disse e repetiu o governo, através do presidente e de seus ministros, que a reforma agrária será feita dentro da lei e em absoluto respeito aos ditames vigentes. Há muito tempo isso pertence ao terreno dos discursos, já que o MST tem agido sempre como quer, onde quer e – como no caso do anúncio do “abril vermelho” – em frontal desafio à autoridade constitucionalmente instituída. Se quem cala consente (ou até veste o boné dos infratores), como não admitir a observação segundo a qual o cidadão que detém a suprema magistratura do País está a colaborar com a “desorganização e esfacelamento do Estado”?

Em Andradina, interior de São Paulo, na sétima invasão da Fazenda Timboré, os militantes do MST estão a encurralar a própria Justiça, anunciando que caso ela não decida pela transferência do terreno ao Incra, haverão de loteá-la por conta própria. Para complicar ainda mais as coisas, depois de soltar o gado e arrancar as cercas, cortaram o fornecimento de água às famílias que moram no local. Se a Justiça decide, o governo não cumpre. Se a Justiça demora a decidir, os invasores decidem por conta própria… E nada acontece. Neste País sem ordem, a lei é ditada pela força de quem ousa mais. Ou tem mais medo.

Está no Congresso um pedido que precisa ser refletido pelos que foram eleitos para integrar instituições sérias que sustentam a democracia. Pode não dar em nada, pois ninguém em sã consciência gostaria de passar por mais essa crise. Mas para que a crise de autoridade que já incomoda não detone crise ainda pior no seio da sociedade brasileira, algo muito objetivo precisa ser feito em resposta à solicitação protocolada. E com urgência.

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