Disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos governadores, na primeira e rara reunião em que todos estiveram presentes, que é preciso colocar o guizo no gato e que ele está disposto a fazer o serviço. Referia-se à urgência na realização das reformas que, a dormirem nas gavetas do Executivo ou do Congresso, podem deixar sem chance de aposentadoria seus filhos e netos. O gato está na sala. O guizo, nas mãos do presidente: “Os companheiros das fábricas trabalham 35 anos e se aposentam com uma merreca – observou -, enquanto os servidores públicos continuam em vantagem”. Graças à passividade dos contribuintes, convocados sempre a pagar as contas.
No encontro, os 27 governadores ouviram como funcionarão as coisas. E foram convidados a aderir, com direito a pequenas críticas e propostas, desde que o guizo fique no gato.
Os convidados especiais de Lula brincaram muito, falaram idem, comeram bem: trinta e oito quilos de vitelo pantaneiro – conta a crônica -, mais vinte quilos de “javonteiro” e outros quinze quilos de lingüiça, além das carnes tradicionalmente usadas em churrascos. Para beber? Cachacinha mineira, água, sucos e refrigerantes. Para entender melhor o generoso cardápio da fome zero governamental, é preciso explicar que o vitelo pantaneiro é bezerro criado solto no Pantanal, coisa altamente ecológica; que “javonteiro” é o resultado de uma difícil cruza entre porco selvagem e javali, coisa exótica, sobre a qual o Ibama deve colocar vigilância.
Curiosidades gastronômicas à parte, o clima de descontração de um quase piquenique de fim de semana contribuiu, segundo o porta-voz da Presidência, André Singer, para o encaminhamento dos debates e para a costura de um sonhado acordo. E “se houver um acordo entre todos – governos estaduais e federal – será possível resolver de maneira favorável e rápida essas questões”. Acordo na cúpula, onde ninguém quer perder um tostão, é armadilha certa ao contribuinte. Para essas reuniões decisivas, esquecem geralmente de convidar quem, de fato, paga a conta e a sempre provisória CPMF.
Não só. Esqueceram, também, de antecipar aos integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (do Congresso Nacional nem se fala), o que seria acordado na Granja do Torto – essa terceira instância de acordos e manobras. Isso, já de cara, fez conselheiro torcer o nariz, na antevisão de que deverão surgir questões intocáveis em nome de um acerto de cúpula. Toda reforma tem mais chance de sucesso se iniciada pela base. O conselho foi criado para assessorar a Presidência, não para aplaudi-la.
Companheiros e companheiras devem ter em mente, entretanto, que em matéria de Previdência, além do que já se conhece de reformas realizadas em outros países, não há muito que inventar. A questão é matemática e exige decisão política. Pão-de-ló para alguns e merreca para outros não rima em programa de governo, seja de esquerda ou de direita. É questão de justiça, não de ideologia. Assim como também é questão de justiça – e não de necessidade dos caixas oficiais de governadores – o estabelecimento de princípios tributários capazes de promover a cidadania, não essa sensação de arrocho em cascata para serviços inexistentes ou mal-realizados por um Estado omisso e freqüentemente irresponsável. Para nós, na planície, o guizo no gato do Planalto não é uma mera questão de divertimento…