Distribuição de renda, prioridade na educação e mercado interno. Eis as três (novas) bandeiras do Movimento dos Sem Terra, sob o comando de seu coordenador nacional, João Pedro Stédile. Pequenas caridades, como a distribuição de cesta básica, no máximo enchem momentaneamente barriga que ronca, mas não resolvem o problema a longo prazo e, principalmente, não fazem a felicidade de ninguém. Pelo contrário, quem recebe uma cesta básica leva um tapa na cara: “É uma afronta à dignidade”. O povo – sentencia Stédile – quer trabalho e educação.
Já não é só de terra, portanto, que se alimenta a esperança do MST. E para provar isso estão as últimas ações do movimento: crianças provenientes de assentamentos passearam pelo centro da cidade maravilhosa cobrando políticas públicas de educação rural. Terra até pode ficar para depois. “Há poucas escolas em assentamentos, mas elas não têm estrutura nem educadores preparados. Em outras, falta merenda. Há casos de escolas que ficam a 30 quilômetros dos acampamentos”, bradava uma das coordenadoras de educação do MST, de nome Fernanda Matheus.
Informa-se que existem cerca de doze mil crianças e adolescentes acampados ou assentados, apenas no Estado do Rio de Janeiro. Se todos saírem a campo, isto é, pelas cidades reclamando contra as precárias situações das escolas nos assentamentos (e acampamentos também), teremos algo inédito e até agora sequer ensaiado desde o descobrimento do Brasil. Filhos de imigrantes de todos os credos e raças suportaram silenciosos, durante séculos, longas caminhadas, calça curta e pés descalços, até a escola feita de pau-a-pique às margens do ribeirão em cuja travessia, no máximo, servia uma pinguela. Mas os tempos são outros e, coberta pela Constituição-cidadã, qualquer criança pode e deve reclamar seus direitos. Ainda mais se assistida por adultos, pais, professores… ou, como no caso, políticos de ocasião.
Na passeata, os sem-terrinhas pediram mais recursos para o Incra investir em escolas. Fizeram bem. É um pedido simpático. Esclarecidos, diziam saber que o Estado não é responsável pelo ensino fundamental, “mas ele tem que responder pelo ensino médio e organizar o ensino no campo”. Organizar é, também, propiciar transporte adequado. E gratuito, sim senhor: “Primeiro uma van pegava a gente no acampamento, depois era uma Brasília, depois um Fusca, e depois não tinha mais transporte”, queixavam-se algumas crianças que, assim, deixaram de estudar. Lamentável.
O presidente Lula, segundo conselho do antigo companheiro Stédile, devia garantir educação e conhecimento (coisas que libertam as pessoas) e parar de ficar se auto-elogiando porque aumentou a distribuição de cesta básica. Palmas. Convidado para falar na 45.ª Convenção Nacional do Comércio Lojista, também no Rio de Janeiro, Stédile advertiu os empresários a não ficarem restritos a “esmolas” e a “pequenos projetos de caridade”. A crítica ao principal programa social do governo do PT, o Fome Zero, não poderia ter sido mais contundente: “Nenhuma família em sã consciência está satisfeita porque recebe cesta básica, que é uma afronta à dignidade”.
Talvez movido pelos conceitos de Stédile, o Incra está em busca de um novo formato para tocar a reforma agrária. Em lugar de um lote (com freqüência vendido logo depois), cada assentado fica sócio de uma área maior – uma gleba inteira – onde a produção também seguiria padrões comunitários e, assim, garantiria uma renda mensal líquida em torno de mil e quinhentos reais mensais (salário para pequeno agricultor nenhum colocar defeito). O projeto piloto, onde oitenta famílias são sócias-proprietárias de quase mil hectares de terra, acaba de ser lançado em Jardim, no Pantanal mato-grossense. Espera-se que o Incra não deixe de atender o pedido de mais verbas para escolas. Afinal, lugar de criança não é na rua, protestando, mas na escola, estudando.