A região do Tibete, localizada ao norte da Índia e Nepal e ao sul da China, foi ocupada a partir de 1949 pela China, que passou a considerá-la como mais uma província de seu território.
Isolado do mundo, o Tibete sempre fora governado por líderes espirituais, pregadores da filosofia budista e praticantes de meditação como forma de transcendência. Trata-se dos “Dalai Lama”, ou “oceano de sabedoria”, identificados de forma muito peculiar ainda na infância como encarnações do Dalai Lama anterior.
O atual Dalai Lama (Tenzin Gyatso, o 14.º) liderou a luta pela autonomia do Tibete por ocasião da invasão chinesa. Diversas tentativas de negociação com a China foram coordenadas por ele. Sem êxito, partiu em 1959 para Dharamsala, no norte da Índia, onde organizou um governo no exílio.
Habitantes de uma localidade com altitude de aproximadamente 5 mil metros, na região do Himalaia, o povo tibetano sofreu inúmeras atrocidades com a ocupação chinesa. Dados apontam a morte de 1,2 milhões de pessoas, a destruição de cerca de 6 mil monastérios e a existência de mais de 100 mil pessoas no exílio (estima-se que 100 mil estão na Índia, 25 mil no Nepal, 2 mil na Suíça, 2 mil em Bhutan, 1,5 mil nos EUA e 600 no Canadá). A intimidação e a repressão continuam até hoje na pauta do governo chinês, que proíbe no Tibete a prática religiosa, interdita o culto ao Dalai Lama e estimula a ida de chineses para a região, gerando a fuga constante dos tibetanos de sua própria terra (eles com-põem atualmente apenas um quinto da população do Tibete).
O governo no exílio construiu um regime democrático -popular, regulamentado por uma Constituição e organizado através dos Ministérios da Educação, Finanças, Interior, Relações institucionais e internacionais, Religião e Cultura, Saúde e Segurança. O chefe de Estado é o próprio Dalai Lama, o chefe de governo é escolhido pelo sufrágio universal e o gabinete ministerial é eleito a cada 5 anos pelo sistema de votação de colégio eleitoral. (informações sobre o tema podem ser encontradas na página oficial: www.tibet.com).
O Direito Internacional Público tem atribuído personalidade jurídica internacional aos governos no exílio, admitindo-os como seus sujeitos e enquadrando-os dentro do capítulo de “outras coletividades” ou “sujeitos fragmentários”, que também abrange a Santa Sé, os Beligerantes, a Ordem Soberana de Malta, dentre outros. Segundo Guido Soares, “outra situação histórica em que se pode falar de atribuição de determinados atributos da personalidade no Direito Internacional é a do reconhecimento de governos no exílio”. O exemplo clássico dessa situação foi o reconhecimento de Charles de Gaulle, pelo governo da Inglaterra, como o legítimo “governante de todos os franceses”, quando se encontrava exilado em Londres em decorrência da ocupação nazista da França. “De tal reconhecimento, resultaria que os atos praticados pelo General De Gaulle, que, na verdade, não detinha o real poder em território de França, contudo, legitimaria sua voz e vontade como a do verdadeiro povo francês.” (SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Atlas, 2002. p. 159).
Situação similar ocorre hoje com o Tibete. Dalai Lama é recebido no mundo inteiro com honras de chefe de Estado e considerado pela comunidade internacional como o verdadeiro líder do povo tibetano, haja vista o governo de Dharamsala ter construído escolas, centros de cultura, monastérios, além de uma complexa estrutura para assentar e dar suporte aos refugiados. Sua pessoa é objeto de análises controversas. Ao mesmo tempo em que o governo chinês o acusa de fazer campanha pela independência do Tibete, o Dalai Lama ganhou o Prêmio Nobel da Paz, em 1989, exatamente por sua luta em favor da libertação do território tibetano.
Adeptos da visão oriental de que crise significa perigo e oportunidade, os tibetanos conseguem retirar de situações negativas e graves um lado positivo e iluminador: a perseguição chinesa, apesar de toda crise gerada e todo sofrimento causado ao povo do Tibete, teve o dom de espalhar ao mundo seus ensinamentos, até então limitados às suas fronteiras. Por isso ecoam em todos os lugares do planeta as palavras de Dali Lama sobre paz, felicidade, tolerância, fé, caridade e respeito pela natureza.
Diante de tanta esperança e entusiasmo, provavelmente a comunidade tibetana está vendo motivos para comemorar os acontecimentos dessa semana. No dia 23/06/2003, Índia e China assinaram um acordo tratando de uma série de questões fronteiriças, sempre tão polêmicas e que foram a causa de vários conflitos armados entre os dois países. Dentre os vários pontos desse acordo, está o reconhecimento pela Índia da região autônoma do Tibete como parte do território da China.
Tal acordo não trata da questão da independência do Tibete, mas demonstra uma aproximação de países até então inimigos quanto à região de fronteiras. Seria uma demonstração da abertura chinesa ao diálogo, abrindo expectativas para o estabelecimento do início de uma possível negociação entre China e o governo do exílio, a respeito da questão tibetana.
A paciência tibetana ensina-nos que cabe, agora, esperar o desenrolar dos fatos. Foi o primeiro passo do caminho…
Tatyana Scheila Friedrich é mestre/UFPR, professora de Direito Internacional Público e Privado e Direito da Integração Regional.