Para divisar o futuro da advocacia no Brasil é fundamental fazer o diagnóstico de seus problemas atuais, sendo o ensino jurídico um deles, inegavelmente. O País convive há mais de três décadas com a crise do ensino superior, e a área do direito tem sido uma das mais castigadas pelo rebaixamento do nível educacional. Na esteira da intenção do regime militar de minar pólos centrais da resistência democrática, entre os quais se inseria a vanguarda da mobilização social a cargo da Ordem dos Advogados do Brasil, os cursos de Direito, alguns de curta duração, com escopos esterilizados, espalharam-se por todo o País, oferecidos por escolas movidas por interesses mercantilistas.
O resultado desse quadro se revela na estatística que se apresenta hoje ao País: são quase 800 cursos de Direito em funcionamento, contra 69 em 1960. Uma realidade que causa perplexidade se comparada aos dados dos EUA, onde o número de faculdades de Direito está estacionado em 180 instituições. A proliferação de faculdades no Brasil lança no mercado milhares de bacharéis, dos quais só o Estado de São Paulo recebe 15 mil por ano – correspondentes a apenas 20% dos bacharéis, porque os demais não passam no exame de Ordem, que busca aferir se o bacharel reúne condições profissionais mínimas para atuar, uma vez que terá em suas mãos os bens maiores da criatura humana: a honra, a vida e a liberdade.
Ao lado da saturação do mercado de trabalho, os advogados passaram a conviver com o descumprimento constitucional do múnus da advocacia e com leis que restringem suas atividades profissionais, como nos juizados de pequenas causas. Não por acaso, o papel do advogado na sociedade política tem decrescido.
É nessa moldura que a seccional paulista da OAB está fazendo uma oportuna interferência. A meta é a de requalificar o ensino jurídico, resgatando o ideário dos cursos de ciências jurídicas e sociais, criados em Olinda e em São Paulo em 11 de agosto de 1827. O esforço pela recomposição dos níveis de qualidade do ensino do direito começa pelo combate às escolas e cursos com escopos defasados e improvisados, destituídos da visão do futuro, sem estrutura e com deficientes quadros docentes. Lembre-se, a propósito, que a OAB tem amparo legal para atuar nesse sentido, em função do Decreto n.º 3.860, de 9/7/01, que confere poder ao conselho federal da entidade para se manifestar sobre a criação de instituições de ensino superior.
A OAB tem poder opinativo sobre a abertura de novas faculdades de Direito, mas a Ordem de São Paulo quer mais: deseja ter poder de veto, porque consideramos inadmissível que o Ministério da Educação autorize o funcionamento de cursos para atuar de forma improvisada em auditórios da Câmara Municipal ou em salas de cinema e utilizem o artifício de locar bibliotecas e corpo docente de fachada, uma vez que aquele que irá administrar as aulas será um professor sem a devida qualificação.
Outra grande questão voltada ao ensino jurídico, com implicações no futuro da advocacia, reside no fato de que hoje prepara-se o profissional para litigar, quando o futuro do direito está na composição. A mediação, a conciliação e a arbitragem abrem novos campos de trabalho para a advocacia. Trazem um novo conceito à prática do direito, com ênfase no diálogo e no entendimento entre as partes, todavia há que tornar obrigatória a presença do advogado, uma vez que essas formas de solução de conflitos são mecanismos de solução jurídica, e o leigo não conhece o direito.
Pela conciliação também será possível contornar a morosidade da Justiça, matéria que não foi contemplada pela reforma do Judiciário – que, embora trate de matérias relevantes e oportunas, não emprestará celeridade à Justiça. Exemplo dessa morosidade está no ?tempo morto do processo?, cuja dimensão pode ser retratada por 550 mil processos em grau de recurso, aguardando distribuição na Justiça paulista, o que demora de quatro a cinco anos.
Uma recente contribuição à melhoria do ensino jurídico foi encaminhada pela seccional paulista à Frente Parlamentar dos Advogados na Câmara dos Deputados e ao Conselho Federal da OAB, propondo antecipar a inscrição do estagiário na Ordem, que atualmente acontece nos dois últimos anos. Nossa proposta é que ele ingresse nos quadros da OAB a partir do segundo ano do curso de Direito. Com a carteira da Ordem, o estagiário amplia seu mercado de trabalho, porque adquire a prerrogativa de retirar processos nos tribunais, assinar petições junto com um advogado e participar de audiências, atividades essenciais à formação plena do futuro profissional. Com a antecipação do estágio, o bacharel chegará ao mercado de trabalho com uma bagagem de conhecimentos práticos maior, que, somada ao conhecimento conceitual e teórico dos bancos escolares, tende a torná-lo um advogado mais capacitado para postular em nome do cliente.
A soma dessas propostas no plano educacional visa contemplar a valorização da advocacia, que passa necessariamente pela qualidade do ensino jurídico, fundamental para o profissional que chega a um mercado de trabalho cada dia mais concorrido, tendo de responder às necessidades de um jurisdicionado, que ainda espera pela democratização, melhoria e agilização da Justiça.
Luiz Flávio Borges D?Urso, mestre e doutor em direito pela USP, é presidente da OAB-SP.