O Freitas teve o que merecia

Decididamente o Freitas Neto teve o que merecia: foto na capa com chamada e um registro com foto do velório. Afinal, jornalista só é notícia quando morre. Cumprida a máxima, fica uma legião de amigos indignados e também uma cidade com um pouco menos de humor inteligente. Além de todos os elogios e depoimentos sobre a atuação do Freitas como jornalista, correspondente de guerra, diretor de redação, diretor da Imprensa Oficial, coordenador de programas culturais da memória paranaense e até como médico – que poucos sabiam que ele o era – fica faltando, ainda, muito, mas muito mais para falar sobre o velho e querido Freitas. Eu garanto que o Freitas sempre foi velho. Ele sempre foi paizão de jornalista iniciante. Fui adotado por ele por uma simples questão: ele foi com a minha cara. Pronto, ficamos amigos pra sempre. Já o conheci de cabelos brancos, andei muito ao seu lado e curti mil e uma das suas 10 mil e uma histórias sobre o mundo. Sim, o Freitas tinha o mundo aos seus pés e na cabeça. E colocava tudo isso nos ouvidos da gente. Não ficava mote sem história ou estória. Banana? Tinha um causo. Empréstimo internacional? Assunto garantido. Terno rasgado, gravata babada, joanete, calo seco, viagem pra Morretes, compra de tinta importada, cozinha tailandesa? Pode marcar tento em cada um dos assuntos. Tento, não. Marque cesta. É que o basquete semanal no ginásio do Círculo era garantia de atividade física, esportiva e de rodada de cerveja e de gozação depois de cada partida. Falando nisso, é histórica uma das armações do Freitas pra turma do basquete. Uns dois ou três integrantes do grupo eram metidos a entender de cerveja. Falavam de maturação, de mistura do malte, de ponto da cevada, o cacete. O Freitas recebeu na Imprensa Oficial um catálogo de uma máquina impressora que trazia como amostra alguns rótulos de cerveja da Tchecoslováquia e também da Finlândia (eu acho). Não deu outra. Comprou meia dúzia de cervejas nacionais e mandou passar a tampinha num ácido de gráfica. Ficaram bem lisinhas. Aplicou os rótulos e levou para degustação depois do jogo de basquete. Como o “precioso líquido” não daria para todos, uma dose homeopática serviu de regalo para cada um. Os “especialistas” babavam e enalteciam a qualidade do produto. Sorviam um gole, estalavam a língua e huuummmmm. Mas durou pouco, um dos enganados leu no fundo da garrafa: indústria brasileira. Foi um esparramo só. Teve gente que ficou beiçudo quase um mês, mas todos concordaram que foi uma grande pegada e uma bela sacanagem do Freitas. Suas histórias e estórias alegravam o papo. Como aquelas dos pracinhas que vendiam café usado para os alemães na Segunda Guerra, da compra da casa pelo fundo previdenciário do serviço médico, das mensagens telegráficas com notícias absurdas, dos bons momentos da cozinha da redação. Falar da defesa da categoria, da participação sindical, enfim, é chover no molhado. Afinal, na vida o Freitas também teve o que merecia: bons amigos, uma bela família e muitos momentos pra gente ficar contando para o resto da vida. Fica a lembrança, a dor da amizade perdida e a certeza de que morreu um sujeito muito boa praça. Mas convém ficar alerta por uns 15 dias. É capaz do Freitas ter morrido só pra sacanear a gente.

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