O feijão e o sonho

Estamos plagiando o título de um famoso romance. Mas nada melhor para resumir as contradições que podem ocorrer – e freqüentemente ocorrem – entre o idealizado e o realizável. Num paradoxo desta natureza encontra-se Lula e seu governo. Ele confessa. Aliás, confessou ainda na semana passada, em discurso que pronunciou durante cerimônia de apresentação dos 19 oficiais-generais promovidos, quando teceu elogios aos militares. Disse o presidente que “inúmeros obstáculos ainda nos separam do Brasil ao qual o povo brasileiro aspira e pelo qual batalhamos”. E acrescentou que “neste sentido, na superação desses obstáculos, as Forças Armadas têm um importante papel a desempenhar”, reconhecendo o profissionalismo e a abnegação dos oficiais e praças.

Foi um “rasgar de seda”, pois nos maiores problemas hoje enfrentados pelo governo, como as reformas que tramitam no Congresso Nacional, as Forças Armadas foram deixadas propositadamente de fora. E é sabido que elas têm justas reivindicações e aspirações ainda não atendidas. Nem sequer propostas.

Lula, que sempre foi um idealista de esquerda, atuante no meio sindical e depois no político-partidário, fundador de um PT socialista, sempre sonhou com uma sociedade mais justa. E como há diferença entre o feijão e o sonho, sonhou que, uma vez no poder, depressa, senão num passe de mágica, acabaria com a miséria de milhões de brasileiros e promoveria a justiça social.

Vê agora, quando pede reformas necessárias ao Congresso, que ele próprio e sua base parlamentar, por contingências várias, sendo a principal a necessidade de salvar o sistema previdenciário para que não se torne inviável em futuro próximo, acaba patrocinando também injustiças. Para fazer aprovar as reformas, notadamente a previdenciária, tem que recuar de sua proposta inicial. Um desses recuos foi a elevação de R$ 1.058,00 para R$ 1.200,00 e, depois, para R$ 2.400,00, do limite de ganhos isentos da tributação dos inativos. E a aplicação do redutor das pensões, que desejava fosse de 50% no que excedesse esse valor, passou a 30%, por imposição da bancada do PFL.

Ainda aí resta uma injustiça imposta pelo próprio governo, que sonhou com a justiça social. Os funcionários federais estão tendo tratamento melhor que os estaduais. Aqueles serão taxados no que exceder, em seus ganhos, a R$ 4.200,00. Estes, no que exceder a R$ 2.400,00. Dois pesos e duas medidas e a consolidação, na própria Constituição, da injustiça.

As reformas revelam, ainda que seu espírito não é dar mais a quem ganha menos e sim tirar de quem é melhor aquinhoado, uma forma de justiça social que só se justificaria se oferecesse resultados palpáveis. Mas o que se revela é que tudo é feito para que todos ganhem menos.

As reformas, sejam a previdenciária ou a tributária, aparecem mais como instrumentos fiscais, de arrecadação, do que como meios de melhor distribuição de riquezas, contrariando o ideário de Lula e do PT, pregado enquanto se atinham ao discurso e não à prática. A distribuição dos recursos tributários entre os diversos níveis de governo, reivindicação tanto de estados, quanto de municípios, está sendo objeto de dura guerra. Aqueles não cedem e a União insiste em ficar com tudo. Ou quase tudo.

Tem razão Lula ao reconhecer, agora como presidente e não mais como político oposicionista, que ” inúmeros obstáculos ainda nos separam do Brasil ao qual o povo brasileiro aspira”.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo