O Estado brasileiro, com a Constituição de 1.988, fez clara opção por privilegiar o cidadão, garantindo-lhe direitos individuais apostos, por exemplo, no artigo 5.º da Magna Carta. Não por menos, o texto constitucional aprovado pela Assembléia Constituinte ficou conhecido como a “Constituição Cidadã”. A família, base da sociedade desde a época da “cidade antiga” relatada na obra de Fustel de Coulanges, mereceu especial atenção do legislador constituinte.
Festejado, assim, o diploma legal vazado na Lei 10.741/2003, denominado “Estatuto do Idoso”. A Lei, da forma como se nos apresenta, veio contemplar camada social que há muito reclamava seus direitos e, mais, buscava concretização do disposto no art. 230 da Constituição Federal: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. Assim, pacífico é que a Lei 10.741/2003 encontra fundamento no preceito constitucional, como de regra devem ser todas os dispositivos legais inseridos no nosso ordenamento jurídico.
Inovação, porém, apresentou o Estatuto do Idoso: o benefício no transporte rodoviário interestadual de passageiros, reservando aos idosos (maiores de 60 anos), nos termos de legislação específica, 2 vagas gratuitas por veículo para aqueles que comprovem renda igual ou inferior a 2 salários-mínimos. Concedeu mais o legislador infraconstitucional: o desconto de 50% no valor da tarifa para os idosos que não puderem usufruir da vaga-cortesia e igualmente comprovarem renda igual ou inferior a 2 salários-mínimos. O parágrafo único do mesmo art. 40, dispôs: “Caberá aos órgãos competentes definir os mecanismos e os critérios para o exercício dos direitos previstos nos incisos I e II”.
O transporte coletivo rodoviário interestadual de passageiros é, por força da mesma Constituição que inaugurou o Estatuto do Idoso, serviço público de competência da União (art. 21, XII, “e”), podendo o Poder Público ofertá-lo explorando-o diretamente, ou mediante autorização, concessão ou permissão (art. 21, XII). Reza ainda o art. 175 da “Carta Cidadã” que ao Poder Público incumbe, na forma da lei, a prestação dos serviços públicos, executados diretamente ou ainda que operados sob o regime de concessão ou permissão.
Após o advento da Constituição, em 1988, os concessionários conheceram, em Fevereiro de 1.995 com a edição da Lei nº. 8.987, a norma ordinária que disciplinaria, entre outras coisas, a necessária política tarifária,. Deste diploma, verdadeiro “Estatuto do Concessionário” prestador de serviço público de transporte interestadual, podemos extrair, com rigor, o disposto no art. 9.º, § 4.º: “Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração” (grifamos). Qualidade imprescindível à prestação do serviço público pelo particular concessionário é a justa remuneração tarifária capaz de fazer frente às despesas advindas do serviço prestado. A norma consolidou-se na Lei n.º 9.074/95, que veio complementar aquele “Estatuto do Concessionário”, dispondo de forma inequívoca em seu art. 35: “a estipulação de novos benefícios tarifários pelo poder concedente, fica condicionada à previsão, em lei, da origem dos recursos ou da simultânea revisão da estrutura tarifária do concessionário ou permissionário, de forma a preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato” (grifamos).
Indubitável ser a União o “poder concedente” para o transporte interestadual, detendo o chefe do seu Poder Executivo, consoante o disposto no artigo 61, § 1.º, II, “b”, da Constituição Federal, a iniciativa é exclusiva de proposições de normas à apreciação do Legislativo. Torna-se assim a proposta do Deputado Paulo Paim, de 1997, motivo de afronta ao texto constitucional, maculada de vício insanável ao iniciar o processo legislativo em poder diverso daquele a quem a Carta Maior confere tal prerrogativa.
Ao concessionário do transporte interestadual, a quem não compete discutir vícios de origem do projeto, é lícito prestar o serviço na forma que a União lhe imponha. No caso do Estatuto do Idoso, urge que a União se manifeste, primordialmente, sobre a necessária revisão tarifária, possibilidade única de não se onerar o operador serviço. Após, que defina a sistemática de operação da legislação. A causa apresenta-se assim, pela participação necessária da União, como própria de discussão na seara da justiça federal, incompetentes os juízos estaduais.
O não cumprimento do disposto no Estatuto do Idoso para o transporte rodoviário interestadual dá-se pela ausência da (necessária) regulamentação e não previsão da necessária fonte de custeio ou determinação de imediata revisão tarifária. Imprescindível, de qualquer forma, a edição de norma regulatória para que se possa, entre outros e contrariando os que acreditam ser o procedimento desnecessário, proceder à justa aplicação do benefício. Em uma viagem longa, o passageiro vestibular terá a preferência da compra, ainda que vá realizar trecho menor ao final da viagem ? Ou beneficiados serão aqueles que embarcar no início do trajeto ? A taxa de embarque, cobrança não destinada ao concessionário será ônus de quem ? Um terceiro pode adquirir passagem em nome do idoso? Quais documentos comprovam a renda?
São perguntas que não cabem aos nossos bons velhinhos responderem. Seriam bons apontamentos a figurarem na regulamentação (inexoravelmente) necessária. Ou, plagiando a lei, poderiam ser os mecanismos e critérios para o regular exercício dos direitos conferidos (art. 40, parágrafo único, do Estado do Idoso).
Sob a ótica jurídica ampliada, o mesmo ordenamento que ampara ao idoso ampara também ao concessionário. Não há fundamento em valorar mais uma lei em detrimento de outra. O idoso tem todo o seu direito. E para plena fruição, que seja perfeitamente regulamentado. O concessionário tem todo o seu direito, contraposto às suas obrigações, onde não se lhe afigura ônus social escoteiro desta ou qualquer outra gratuidade.
Sérgio Roberto Maluf
é acadêmico de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.