A intenção da administração federal de contratar 65 mil servidores nos próximos dois anos, que já começa a receber fortes críticas da oposição, recoloca no centro do debate a velha polêmica entre o Estado “forte” e o Estado “mínimo”. Seria intenção do governo reimplantar as bases do Estado todo-poderoso, com sua imensa carga de centralização, estruturas funcionais superpovoadas e escopo inspirado no fortalecimento de amplas políticas de proteção social? Ou o Poder Executivo estaria apenas comprometido com a meta de melhorar a qualidade dos serviços públicos, cujo visível sucateamento poderá recrudescer nos próximos anos, caso não sejam tomadas providências para recompor os quadros funcionais e preencher as lacunas esperadas ante o afastamento de 100 mil servidores com direito a aposentadoria? Preferimos acreditar na segunda hipótese.

É uma falácia afirmar que a máquina federal está inchada. Ao contrário, o governo federal emprega apenas 18% do total de servidores públicos. É pouco. O setor público emprega, no Brasil, apenas 11,5% das pessoas ocupadas, taxa bem abaixo da média mundial, que é de 30%. A qualificação dos serviços públicos está a exigir mais servidores, melhor qualificação de quadros e, ainda, distribuição mais adequada das massas funcionais pelos espaços da administração pública. A necessidade de suprir o déficit institucional justifica claramente a contratação de mais servidores, com a condição de que o processo seja transparente e ético, evitando-se a partidarização do Estado e a construção de pontes para o projeto de poder do grupo político dominante. A forma mais apropriada para dar legalidade e legitimidade ao processo é o concurso público. Mais ainda: concurso público que respeite os inscritos. Afinal, eles pagam taxas para se habilitar, e o poder público acaba não convocando os que passam, configurando até um meio ilícito de expropriação de bens.

Dito isso, convém lembrar que a administração pública tem passado por intenso desgaste. Nos últimos anos, o governo se esforçou para atravessar o corredor do Estado empresário e centralizador para alcançar os portões do Estado mínimo, com seu ideário de ampla liberdade para o desenvolvimento do mercado e missão de regular a economia. Essa travessia, porém, ocorreu sem os cuidados para se evitar o desmonte de estruturas técnicas que funcionavam a contento ou a redução de quadros em áreas estratégicas. A marca mais evidente da deterioração dos serviços públicos é a fila de espera do INSS. Desse modo, a reforma do aparelho do Estado, inaugurada em agosto de 1995, tinha a boa inspiração da redução do risco Brasil, mas os instrumentos criados, a partir daí ? a desregulamentação da economia, a flexibilização da legislação trabalhista, a diminuição dos gastos públicos, a privatização das empresas estatais, abertura do mercado aos investimentos transnacionais ? sofreram desajustes nas fases de implementação. Se o Estado já não tinha capacidade de implementar políticas sociais de alta eficácia, acabou ampliando sua ineficiência, com o desmonte açodado de estruturas e quadros. Dos quase 1 milhão e meio de servidores públicos da administração direta, autarquias e fundações durante o governo Sarney, restam, hoje, menos de 800 mil. O déficit de quadros é particularmente grave em algumas áreas, como a da fiscalização de rodovias ou no sistema de perícias do INSS.

Diante desse quadro, é de se indagar: quais são as perspectivas para os serviços públicos? A resposta, infelizmente, aponta para a tendência de continuidade do sucateamento dos serviços, caso o Estado continue a sofrer baixas quantitativas e qualitativas. Outro pressuposto que tem inspirado a reforma do Estado brasileiro é a repartição dos serviços com a sociedade organizada, ou seja, com o terceiro setor. Ocorre que, nessa esfera, predomina ainda muita improvisação. A maior parte das entidades mendiga financiamento público, outras se voltam para finalidades religiosas e doutrinárias, enquanto algumas não se espelham pelo valor da gestão democrática, o que acaba conferindo a muitas ONGs o caráter de abrigo de grupos que aspiram o poder ou de feudos familiares.

O eixo da privatização que, ao lado da terceirização, ancorou a reforma do Estado, apresentou benefícios, como no caso das concessões dos serviços de telecomunicações e estradas. O que hoje se teme é a possibilidade de expansão de certos monopólios, particularmente em setores vitais como água, saneamento e energia elétrica, ou a falta de compromissos por parte dos novos empreendedores para investir na economia e de regras mais claras para fortalecer a indústria nacional. Ao final de alguns anos do processo instalado para diminuir o tamanho do Estado, já se pode garantir que os resultados alcançados estão aquém do esperado. Os serviços tradicionais a cargo do Estado ficaram piores e os serviços concessionados ainda não alcançaram os níveis de qualidade desejados.

Essa é a moldura que se apresenta à administração, nesse momento em que o governo federal dá início à remodelação do aparelho estatal, na esteira da expressão “o Estado mínimo está obsoleto”, de autoria de Luiz Alberto Santos, da Coordenação de Ação Governamental. Que esse reconhecimento não signifique inchamento puro e simples das estruturas, com nomeação indiscriminada de servidores. Identificação de áreas prioritárias, concursos transparentes, intensificação de metodologias de qualificação e muita ética se fazem necessárias para construirmos o Estado adequado às demandas da sociedade brasileira.

Ramez Rebet é senador pelo PMDB-MS e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

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