Sou um ferrenho defensor da sociedade civil organizada, composta pelos movimentos sociais, organizações não governamentais – ONGs e demais pessoas da sociedade, defensora da redução das desigualdades, fiscalizadora do Estado para que este cumpra seu papel social, questionadora do grande capital e preocupada com as questões sociais e ambientais do nosso planeta. E é neste sentido que verifico a importância do chamado ?terceiro setor?, o qual não faz parte do Estado em sentido estrito ou do Mercado, mas que em muitos momentos deverá buscar o melhor atendimento do interesse da coletividade nacional e internacional.
Entretanto, e esta questão analiso em recente obra (VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica, editora Fórum, 2006), principalmente a partir do final do século XX, uma forte corrente neoliberal vem pregando a abstenção do Estado na prestação dos serviços sociais como educação, saúde e assistência social, com intuito de desresponsabilizar o Poder Público da sua obrigação constitucional (art. 193 e seguintes da Constituição da República). Os defensores desta corrente pregam um Estado apenas regulador, que deixe a execução dos empreendimentos lucrativos para o mercado e os não lucrativos para o ?terceiro setor?.
Em países periféricos ou semi-periféricos como o Brasil e demais nações subdesenvolvidas, nos quais o Estado do Bem-Estar Social ainda não cumpriu seu papel, os serviços sociais deveriam ser executados pelo Estado, de forma democrática, participativa, eficiente, emancipadora, com o objetivo de universalização dos direitos sociais. Entretanto, pretende-se com o ideário neoliberal-gerencial repassar as responsabilidades para o ?terceiro setor?, nem sempre de forma que fique assegurado os princípios da isonomia, moralidade, publicidade e o da economicidade.
Concordo que as entidades sérias do ?terceiro setor? continuem a executar seus serviços sociais, até com o auxílio do Estado em determinados momentos (fomento, isenção de impostos, etc.), mas não como principal política social dos governantes da União, dos Estados ou dos Municípios brasileiros.
Mas não é isso que vemos na prática. Existem municípios cuja a principal política social é o repasse para as entidades do ?terceiro setor? a execução dos serviços de saúde e educação, sem a realização de licitação ou mesmo de qualquer procedimento de seleção, o que pode ser considerado uma privatização em sentido amplo, e em muitas vezes uma verdadeira guerra por migalhas de entidades que acabam mercantilizando a questão social.
Curitiba tem postos de saúde e escolas públicas que, conforme relatos e até por experiência própria, funcionam bem há décadas, independentemente do governo de plantão, o que pode servir de exemplo como uma eficaz administração pública burocrática weberiana, com servidores concursados, com o objetivo de atingir um verdadeiro Estado Social. Mesmo assim há alguns anos o antigo chefe do Executivo de Curitiba pretendeu privatizar (lato sensu) as creches municipais, e a população curitibana, após mobilizar-se, não permitiu o andamento deste projeto. Este é o papel da sociedade civil organizada, em busca de uma democracia substancial e não apenas formal como a existente em nosso País.
Tarso Cabral Violin é coordenador e professor da Pós-Graduação em Direito do Terceiro Setor do UnicenP. Professor de Direito Administrativo do UnicenP. Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Advogado e consultor jurídico. tarso@unicenp.edu.br