Confesso que não conhecia a sua produção literária.
Sabia que era romancista e cronista, inclusive imortal da Academia Brasileira de Letras.
Também magistrado de carreira, por quase quarenta anos, só me preocupava e me ocupava com a literatura jurídica, com ligeiras incursões pela arte literária propriamente dita, quando o tempo permitia.
Aposentando-me e vinculando-me a duas entidades culturais, como só em ser a Academia de Cultura de Curitiba e o Centro de Letras do Paraná, este, dirigindo em o quarto mandato consecutivo, aflorou-me o gosto pela literatura em prosa e verso, embora não saiba versejar, apenas escrevendo, vez por outra, insípidas crônicas, atrevidamente publicadas no mesmo espaço jornalístico.
Eis, senão, que passei a conhecer a obra do escritor carioca Carlos Heitor Cony, septuagenário como eu, mercê das bem elaboradas e sintéticas crônicas, que um dos nossos jornais vem publicando, inobstante seu autor teime em afirmar que, ?crônica não é literatura?.
Afeiçoei-me, então, aos seus escritos, passando a recortá-los e conservá-los como verdadeiros tesouros.
Ressalto alguns pela agudeza da analise crítica sobre a conjuntura nacional, verbis: 1. Gostei e desgostei; 2. Casa mal-assombrada; 3. Ilusões perdidas; 4. Quem sabe?; 5. Mensalão e novelão; 6. Baile fiscal caipira; 7. Homens de lama; 8. Lula não é ladrão; 9. A planície e o planalto; 10. Lineu e o mensalão; 11. ?Eles? quem?; 12. O cerco se aperta; 13. O plural magestático; 14. O óbvio e a redundância; 15. Lula e a crise; 16. O legado de agosto; 17. Trajes menores; 18. O anjo exterminador; 19. A regra do jogo; 20. ?Verbalão? e ?mensalão?; 21. Feijoada, vatapá e pizza; 22. Bonzos e bonzerias; 23. A hora das surras; 24. Textos e contextos; 25. As missas do PT; e 26. Anatomia das crises.
É digna de registro a afirmação assaz modesta e humilde que faz, em 11 de agosto de 2005 (A classe média ressentida)e, em 29 de setembro de 2005 (O verbalão), de que ?nada entendo de política…?. Imagine se entendesse…
Demais disso, dedicou alguns comentários repetidos sobre o ?Referendo da proibição ou não do comércio de armas?, que acoimou de inútil.
Muito mais poderia e deveria ser escrito sobre o magistral cronista.
Volto-me, porém, ao romancista, eis que li recentemente e avidamente, Tijolo de segurança, edição 2005, seu terceiro romance, que ensejou o prêmio Manuel Antônio de Almeida, em 1958 e que revela as desilusões do indivíduo que sofre a monotonia doméstica e a angústia de viver nas grandes cidades, como resume a contracapa.
Trata-se, na verdade, se bem entendi, da história de um cidadão que não consegue ser fiel a um Deus, a uma mulher, a um sentimento e que se consome em orgias amorosas, que anda afastado do tálamo conjugal, inobstante conte com atraente esposa e, ao seu lado, duas encantadoras filhas e, por isso, sente-se estúpido e que podia ser diferente, pois, assim, a vida talvez fosse melhor para todos. Despreza, enfim, seu ?tijolo de segurança?.
Por favor, não me investindo de crítico literário, que, para tanto, me faltam ?engenho e arte?, repito o que escreveu o também imortal Antônio Houaiss, na orelha do livro: Em Cony tem a literatura brasileira um dos seus grandes romancistas – já é voz dos leitores e da crítica -romancista cujo território ficcional é seu e incorpora um mundo que não é lícito desconhecer.
Finalmente, uma confissão: lendo Os dez mandamentos, antologia de contos, abordando cada uma das regras divinas, deparei, já no primeiro (Amar a Deus sobre todas as coisas), com o escrito maravilhoso de Cony, verdadeiro hino de louvor Àquele que nos criou e à própria natureza, que me propiciou, sem sombra de dúvida, admiração total e imorredoura!
Exalto, pois, com justiça, o extraordinário literato e enalteço sua excelente contribuição à cultura!
Luis Renato Pedroso é desembargador jubilado e presidente do Centro de Letras do Paraná, vice-presidente do Movimento Pró-Paraná.