Inconformada com a atuação do Ministério Público, a presidenta da Urbs – empresa que gerencia o transporte coletivo de Curitiba – pergunta por que o MP não entra na Justiça também em favor das pessoas lesadas por notas falsas de dinheiro. Yára Eisenbach quer, com isso, colocar dúvidas nas intenções que emparedaram o órgão que dirige no caso do derrame de vales-transporte falsos em número que se aproxima da casa dos doze milhões de unidades, segundo se admite oficialmente. O rombo é tão grande que chega a ameaçar de colapso o decantado modelo de transporte coletivo de Curitiba. Algo na casa dos vinte milhões de reais.
Falsos e verdadeiros, os vales-transporte circulavam livremente em Curitiba apesar de o pessoal da Urbs – como se admite agora – ter conhecimento das falsificações há muito tempo. Sabia do crime, mas silenciou. Não tomou nenhuma providência, até que a própria Yára resolveu colocar em prática uma antiga idéia: substituir as moedas de metal por um cartão magnético. Para a substituição, o órgão tentou de tudo em benefício próprio: impôs limites, deu prazo considerado muito exíguo e, pior que isso, passou a diferenciar o joio do trigo, isto é, deu validade às moedas que bem entendeu, agindo arbitrariamente na classificação do que entendia falso ou verdadeiro.
Muitos usuários foram surpreendidos ao terem vales de pacotes selados com o timbre da própria Urbs abertos e, sem cerimônia, classificados como falsos. A polêmica foi ganhando corpo depois que o Instituto de Criminalística do Estado assegurou que num passar de olhos – como fazia a Urbs – não daria para reconhecer um vale falso de um verdadeiro. Aberto o pacote, em muitos casos adquirido na própria empresa que rejeitava o produto, entretanto, a prova em benefício do consumidor desaparecia. Assim, todos, indistintamente, passaram a suspeitos de falsificar ou comprar material falsificado. E o Procon entrou na história com força. “Se tem falsário nessa história é a Urbs – disse o coordenador do órgão de defesa do consumidor, Algaci Túlio – pois ela nunca avisou ou alertou o consumidor da existência de vales falsificados.”
Pena que o Ministério Público, com sua exigência de troca sem restrição dos vales, tenha entrado tarde nessa história. A arbitrariedade cometida contra usuários do sistema – incluindo aí até órgãos públicos – já fez estrada longa. Mesmo assim, o episódio servirá de lição e, dependendo do resultado, poderá gerar direitos outros a quem já foi ludibriado.
Os vales-transporte, que começaram a circular no final da década de 80 e rapidamente assumiram o status de moeda paralela (trocava-se vale-transporte por tudo e quase que em qualquer lugar), poderiam ter outro fim caso os boatos de falsificação, existentes já naquela época, fossem levados a sério pelo pessoal que gerenciava e ainda gerencia o sistema. Por qual motivo a Urbs, hoje tão zelosa em defesa do sistema que gerencia, silenciou acerca de coisa tão grave e séria? É exatamente isso que intriga e, diante do comportamento dela na hora da troca, mais força ganham as suspeitas diversas que circulam pela praça. Entre elas está uma que coloca o vale-transporte no olho de um furacão que tem a ver com fundos de campanha eleitoral e coisas do gênero (chegou-se a dizer, certa feita, que quase um terço do valor de qualquer passagem ia para tais fundos)…; hipóteses, é claro, que dependeriam de séria e funda investigação sobre fatos já antigos e, portanto, de elucidação muito difícil.
Seja como for, agora não tem volta. A Promotoria de Defesa do Consumidor, do Ministério Público, precisa ser valente e ir até o fim da linha. E já não interessa apenas a forma de aceite dos vales falsos e verdadeiros, origem primeira da pendenga. É necessário tirar a limpo toda essa história envolta em suspeitas fumaças. Afinal, como diz a própria Yára, até o pessoal da Secretaria da Segurança Pública estava careca de saber, e há muito tempo, das falsificações.