O Ensino Jurídico tradicional e a educação bancária

O perfil docente a partir do pensamento de Paulo Freire

Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido, caracteriza a “educação bancária” como o procedimento metodológico de ensino que privilegia o ato de repetição e memorização do conteúdo ensinado. Assim, o docente, figurativamente, por meio de aulas expositivas, “deposita” na cabeça do aluno conceitos a serem exigidos, posteriormente, na avaliação, quando então, aquele obtém o “extrato” daquilo que foi “depositado”.

A afirmação da predominância da “educação bancária” no ensino jurídico deve ser vista com seriedade. Tal análise se faz a partir da constatação do excesso de teoria que circunda as salas de aula das Faculdades de Direito. Questionar, negar a legitimidade das estruturas jurídicas arcaicas não é algo possível na “educação bancária”, pois, pelo ensino tradicional, meramente expositivo, cabe ao aluno apenas assimilar a realidade teórica transmitida pelo professor. Memorizar e repetir são as saídas possíveis, já que serão essas a atividades mentais a serem exigidas nas avaliações, usualmente caracterizadas como “provas”.

Mantida a prevalência das aulas expositivas como procedimento didático-pedagógico, muito pouco se pode fazer para alterar o atual estado das coisas em matéria de ensino jurídico, pois que, tais perfis de competências e habilidades são referenciais inadequados à formação profissional adequada às demandas sociais atuais.

Segundo Paulo Freire, essa estrutura expositiva é capaz de reduzir o ensino a algo insubsistente, muito aquém de possibilitar uma efetividade do processo de ensino e aprendizagem em face do mundo real. Nesse sentido, regras jurídicas potencialmente injustas ou até tecnicamente incorretas (inconstitucionais), por vezes contrárias aos interesses da maioria da população, tem sua racionalidade e aceitação reproduzida nos cenários das salas de aula, pelos discursos recriados nas transmissões dos docentes.

Criam-se, daí, como se pode pressupor, profissionais “bancários” do Direito, com atuação centrada nas racionalidades jurídicas assimiladas na academia.

A antítese a esse estado de coisas inicia-se com a exigência da presença de um docente com perfil de agente humanizador. Apto a utilizar conteúdos e metodologias de ensino sensíveis às transformações culturais e novas demandas sociais existentes. Isso é necessário porque se deve levar em consideração que o docente de hoje nada mais foi do que o aluno do ensino jurídico de ontem, potencialmente educado mediante a utilização de aulas expositivas (“bancárias”).

Integrando-se tais idéias, um perfil sugestivo para a docência contemporânea no ensino jurídico poderia conter os seguintes elementos:

a) transmissão crítica e criativa dos conhecimentos, obtidos mediante constante processo de investigação;

b) problematização e estimulação à produção de soluções harmônicas com conteúdo social;

c) utilização diversificada de técnicas pedagógicas de ensino e aprendizagem;

d) discernimento e auto-avaliação pedagógica (reciclagem constante);

e) liderança em formação de grupos de estudo;

f) inteligência emocional;

g) ética voltada à responsabilidade social;

Para ocorrerem mudanças substanciais nos cursos jurídicos, mister se faz o reconhecimento da prevalência da “educação bancária” e seu enfrentamento pelo acolhimento de novos perfis docentes a serem seguidos pelas Faculdades de Direito.

Sergio Rodrigo Martinez

é doutor em Direito pela UFPR, professor pesquisador. Trecho adaptado da obra “Pedagogia Jurídica” (Curitiba: Juruá, 2002). E-mail: contatos@ensinojuridico.pro.br

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