O elogio da cegueira

Todos são unânimes em afirmar ser a visão o mais fascinante dos cinco sentidos. Com ela percebemos a beleza do mundo, porém mantendo uma conveniente distância. E, por essa razão, é o mais ingênuo dos sentidos, o mais fácil de ser ludibriado.

O tato não mente. Se tocamos algo áspero logo percebemos essa inquestionável realidade, porque o áspero jamais poderá ser confundido com o macio. Com o paladar é a mesma coisa, o doce nunca poderá passar por salgado. O odor desagradável, por sua vez, é prontamente denunciado pelo olfato. E a audição possui requintes que nos fazem distinguir um leque variadíssimo de sons.

Por não haver interação física, a visão é explorada à exaustão. O mundo moderno é basicamente visual. Tudo passa pela visão porque, como dizem, imagem é tudo. Julgamos, básica e primordialmente, pelo que vemos, e por essa razão estamos sempre vulneráveis. A nossa porta principal (sempre aberta) são os olhos. Para atrair a atenção de alguém, independentemente da finalidade, esse é o caminho mais curto, pois nada é mais simples do que criar uma falsa realidade diante de um par de olhos. Se eles nos informam que determinada coisa é bela, ato contínuo, pensamos ser essa coisa necessariamente boa. Esse, quase sempre, é o início do erro porque quando os demais sentidos entram em ação já é tarde demais. Como não poderia ser diferente, a visão nos possibilita sempre um julgamento apenas superficial.

A vida é feita de paradoxos. Eis, então, mais um: quanto mais vemos como as coisas parecem ser, menos vemos como elas realmente são. Dizem que o melhor antídoto para a escuridão é a luz, mas, nesse caso, penso justamente o contrário porque aumentamos a nossa percepção quando fechamos os olhos. Uma vez na escuridão, imediatamente os demais sentidos ganham amplitude e função destacada. Passamos a sentir como as coisas realmente são. Abrem-se horizontes, sensações ganham proporções surpreendentes. Os demais sentidos ficam literalmente à flor da pele. Todavia, por comodidade, insistimos em sentir o mundo apenas através da visão, e isso torna a realidade muito igual, cansativa, além de opressora.

O uso exaustivo da visão também prejudica a intuição, comumente chamada de o sexto sentido. Escapam do campo visual a universalidade dos sentimentos e os caminhos tortuosos das profundezas do nosso ser. Pior ainda, muitas das aflições são maximizadas pela visão, como a angústia de olhar-se no espelho apenas para atender aos comandos da patrulha da imagem.

Se para ver a vida como ela é precisamos de uma boa e completa escuridão, por que não praticamos, vez por outra, a cegueira voluntária? Talvez enquanto damos um merecido descanso aos nossos bravos olhos, possamos ver a vida com outros…

Djalma Filho é advogado

djalma-filho@brturbo.com.br

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