Quem é o eleitor brasileiro? Esta pergunta, que é objeto central de interesse das campanhas eleitorais, merece uma reflexão diferente da que fazem os pesquisadores, que concentram sua atenção sobre aspectos de sexo, idade, renda e classe social. A melhor resposta pode ser dada pela leitura de alguns ensaios clássicos de antropologia e sociologia, entre os quais os produzidos por Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro, J.O. de Meira Penna, em seu vigoroso Em Berço Esplêndido ou Roberto DaMatta, em Carnavais, Malandros e Heróis e O que faz o Brasil, Brasil?, para citar apenas três contemporâneos analistas da alma brasileira.
Um corte diagonal sobre o caráter nacional pode ser a pista para se desvendar os traços psicológicos do brasileiro que tomará a decisão de eleger o mandatário da Nação, os governadores e os representantes no Parlamento. Antes, há de se fazer a ressalva de que milhares de eleitores estarão fora do traçado sócio-psicológico aqui descrito, porque incorporam heranças culturais de outros povos. A racionalidade dominante na cultura anglo-saxã, por exemplo, contrapõe-se à emotividade e ao arcabouço criativo-festivo que influencia comportamentos, ações e decisões do homem dos Trópicos.
A tipologia humana essencialmente brasileira se rege por um alfabeto nítido que começa com a parte mais visível, que é a cor da pele. Os morenos e os pardos, que carregam a mistura do sangue do branco colonizador, do negro e do indígena, são a própria expressão da cultura do mais ou menos que sua pele exibe. “Quantas horas trabalha por semana? Mais ou menos 40 horas. É religioso? Sou católico, mas não praticante. Ou, ainda: sou ateu, graças a Deus”. Ora, a tendência de querer ficar no meio termo ainda é reforçada pela condição de contemporizador, que transparece nas freqüentes locuções “deixar estar para ver como fica”, “deixa pra lá”, “fulano está empurrando com a barriga”. Não por acaso, foi assim empurrando que o presidente Fernando Henrique conseguiu adiar tantas coisas importantes, como a reforma tributária.
Também não por acaso, mais de 70 milhões de eleitores ainda não escolheram seu candidato à presidente da República, o que farão nas últimas semanas antes do pleito de outubro. A indicação de mudança de voto recebe altos índices de intenção, reforçando os traços de incerteza e dubiedade que caracterizam o perfil do eleitor, fruto, aliás, dos elementos de improvisação que se fazem presentes no caráter nacional. Há nisso alguma indicação de displicência? Sem dúvida e este é outro matiz do nosso perfil. As decisões, que identificam uma forte cultura de protelação, são deixadas para a última hora na esteira de um comportamento que se identifica com um misto de lerdeza e negligência, despreocupação e negação de critérios de prioridade. Quem não tem na ponta da língua exemplos de obras mal construídas, trabalhos mal feitos, acabamentos defeituosos, sujeiras nos lugares públicos?
O brasileiro é imediatista. Tem prazer pelas coisas que lhe trazem conforto ou benefício imediato. Daí não se interessar pela macropolítica, a política dos grandes projetos, das grandes obras que gerarão efeitos benéficos no longo prazo. Mas é exigente em relação às coisas de seu cotidiano: a escola perto da casa, o transporte fácil, a segurança na rua, a comida barata, o emprego perto de casa. Sob tal aspecto, os candidatos terão de contemplar esses contingentes eleitorais ? que constituem a grande maioria ? com propostas de fácil compreensão e alto impacto para o bolso.
A incerteza, traço cultural do caráter nacional, é visível nas mudanças de voto que o eleitor é capaz de fazer até o momento de chegar à urna. Argumentos fortes acabam derrubando convicções não estruturadas. Percebe-se que freqüentemente o eleitor se motiva pela simpatia e empatia que o candidato irradia. Trata-se, assim, de uma cooptação passível de verificação. Nesse sentido, as pesquisas de intenção de voto aferem muito mais a visibilidade do candidato do que a efetiva decisão de voto. É como se o eleitor dissesse: eu vi o candidato, está bem na televisão, fala bem etc.
Deus carimbou alguns povos com tintas muito acentuadas. Diz-se que aos gregos concedeu o amor à ciência; aos povos asiáticos, o espírito combativo; aos egípcios e fenícios (sendo estes últimos os atuais libaneses), imprimiu a marca do amor ao dinheiro. Aos brasileiros, Deus deu a capacidade de improvisar mais que outras gentes. Não é de todo arriscada a inferência de que, nessa eleição, o eleitor usará muito a habilidade para improvisar, mudando de candidato até se fixar naquele que melhor proposta fizer para seu estômago.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político. E-mail:
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