O Direito Geral de Personalidade no Direito Civil-Constitucional brasileiro

A Constituição Federal (CF), em seu artigo (art.) 1.º, III, afirma a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, valor que perpassa todo o texto constitucional e deve ser concretizado no plano do ordenamento jurídico infraconstitucional.

Visando a efetivação do referido princípio, a CF estabelece em vários dispositivos normas de proteção das pessoas, sendo um eloqüente exemplo o art. 5.º, incisos V e X, tratando dos direitos de personalidade e da reparação dos danos (materiais e imateriais) decorrentes de sua violação.

No âmbito do Direito Civil, destaca-se o contido no Livro I da Parte Geral (Das Pessoas), Título I (Das Pessoas Naturais), Capítulo II (Dos Direitos da Personalidade), art. (art.) 11 a 21, da Lei 10.406/2002, o Código Civil brasileiro (CCB).

Após enunciar algumas das características dos direitos de personalidade no art. 11, o art. 12 do CCB prevê a possibilidade de a pessoa “exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.

Dos art. 13 a 15 a lei civil tutela a integridade física das pessoas, e dos arts. 16 a 19 protege o nome e o pseudônimo.

Encerrando o capítulo, o art. 20 tem por escopo evitar abusos na liberdade de manifestação de pensamento, protegendo de modo especial a honra, a boa fama e a respeitabilidade das pessoas, e o art. 21 garante a inviolabilidade da vida privada, o que, de resto, já é consagrado no texto constitucional, art. 5$, X : “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

O que se deve destacar, a partir da breve leitura da nova codificação civil, é a circunstância de o rol dos direitos de personalidade do CCB não ser exaustivo, pois, em princípio, nem o texto constitucional, tampouco a lei civil, limitam a proteção dos direitos personalíssimos aos previstos expressamente em lei.

Durante longo tempo a questão foi discutida na doutrina, divida entre aqueles que somente aceitavam os direitos de personalidade tipificados em lei, e outros que defendiam haver no ordenamento jurídico uma cláusula geral ou direito geral de personalidade, protegendo amplamente as pessoas, ainda que o direito de personalidade não estivesse contemplado em texto legal.

A questão é bem exposta por Perlingieri: “sobre os direitos da personalidade distinguem-se concepções que tendem a reconhecer um `direito geral de personalidade’ e teorias que sustentam a existência de uma pluralidade de direitos da personalidade […] No âmbito destas últimas – ditas concepções `atomísticas’- apontam-se aquelas que consideram a existência de uma série aberta de direitos (atipicidade dos direitos da personalidade) ou fechada (tipicidade). A contraposição entre tipicidade e atipicidade, aparentemente apenas técnica, encerra opções ideológicas e culturais. Na maioria das vezes, afirma-se que os direitos da personalidade são típicos: fora das hipóteses expressamente previstas, ou pelo Código Civil, ou pelas leis especiais, ou pela Constituição, não existiriam outras”. (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Trad. Maria Cristina De Cicco, 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 154)

As teorias que limitam a tutela jurídica dos direitos de personalidade aos previstos em leis foram combatidas, dado ser injustificável a limitação da tutela dos atributos das pessoas às hipóteses previstas em texto expresso de lei.

No argumento de Tepedino, “a realização plena da dignidade humana, como quer o projeto constitucional em vigor, não se conforma com a setorização da tutela jurídica ou com a tipificação de situações previamente estipuladas, nas quais pudesse incidir o comportamento”. (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 46)

Quanto à amplitude do conceito de cláusula geral, Martins-Costa ressalta tratar-se de disposição normativa que utiliza “uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, ‘fluida’, ou ‘vaga’, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico”. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p. 303)

Tal cláusula geral dirigi-se ao magistrado, atribuindo-lhe um mandato, uma competência, para que, à luz do caso concreto, “crie, complemente, desenvolva normas jurídicas”, sendo certo que, quanto aos direitos de personalidade, caberá ao juiz tutelar tais direitos mesmo diante da ausência de norma positiva (lei expressa) a respeito.

Assim, a interpretação do texto constitucional (especialmente dos art. 1.º e 5.º) e da lei civil (em especial do art. 12 do CCB), indica a existência de uma cláusula geral de personalidade, a abranger todos os direitos personalíssimos relativos a aspectos físicos, morais e intelectuais das pessoas.

Para Tepedino, a CF elegeu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associando-a à meta de erradicação da pobreza e da marginalização, bem assim da redução das desigualdades sociais, “juntamente com a previsão do § 2.º do art. 5.º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, adotados pelo texto maior”, tudo configurando “verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo do ordenamento”. (TEPEDINO, Gustavo. Ob. cit., p. 48)

Em síntese, a cláusula geral visa a proteção das pessoas e de seus valores existenciais, ensejando tutela a qualquer direito de personalidade, ainda que não previsto em texto legal.

Nada obstante, o reconhecimento dos direitos de personalidade no plano legislativo representa significativa evolução na estrutura desse importante princípio fundamental do Direito Civil, pois havendo previsão legal, há melhores possibilidades de concretização da (ampla) tutela jurídica das pessoas.

Flori Antonio Tasca

é professor universitário, advogado, doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR.E-mail :
fa.tasca@uol.com.br

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