O Direito Flexível em Zagrebelsky

Preocupado em superar a maneira pela qual o direito foi utilizado pelos totalitarismos da Europa, Zagrebelsky procura uma nova maneira de relegitimar o sistema, não mais a partir de uma compreensão sólida da estrutura, entendendo-a em seu sentido dúctil, flexível. É que a visão positivista do direito impôs uma interpretação leguleia, apta à manutenção da postura alienada. Em face da influência do positivismo jurídico a interpretação foi colonizada e, mesmo atualmente, mantém-se como resíduo da “inércia mental”, informadora do senso comum teórico dos juristas (Warat).

A complexidade social e a `pulverização’ do direito redundaram numa verdadeira “babel de línguas”, as quais tornaram incompreensíveis ao “público profano” tanto a estrutura como as próprias decisões. O direito aproxima-se do absurdo kafkaniano. Não sem razão. É que com o pós-guerra, o papel do Estado Constitucional restou alterado, exigindo uma nova compreensão ainda não assimilada adequadamente pelos juristas. A formação de novos blocos econômicos fez relativizar a soberania do país na edição de leis – especialmente tratados de Direitos Humanos – e seu submetimento a decisões de organismos internacionais, mormente na comunidade européia. Para além do ordenamento interno, os Direitos Humanos fomentam uma pretensão de proteção independentemente do local em que se encontrem os seres humanos, não se submetendo aos limites territoriais, dado que todos são titulares em face da condição humana.

De outro lado, há um resgate do papel constituinte da própria Constituição e seus princípios na prática forense. Mas esse reencontro constitucional deve preservar o pluralismo ideológico de uma sociedade complexa através de um compromisso de procedimentos comunicativos (Habermas) capazes de proporcionar a integração de valores de sociedades plurais. Esse mecanismo é condição de possibilidade de uma convivência reflexiva, inimiga de qualquer ideal de imposição de idéias pela força. Seria o princípio basilar da democracia. Os pontos de vistas, os valores, devem ser equacionados por procedimentos aptos a manter a tensão entre os grupos sociais. Decorrência disto é uma dogmática líquida, fluída, antípoda do positivismo rígido.

A clássica pretensão do direito de evitar a arbitrariedade mediante o princípio da legalidade, com regras gerais e abstratas – fomentadora do tratamento igualitário – cede, todavia, diante da erosão entre as funções público/privada, uma vez que os limites não estão mais perfeitamente delineados como, por exemplo, na Execução Penal. Esse princípio, pois, deixou de possuir seu caráter liberal de garantia, tornando a aplicação da lei imprevisível, incontrolável, afastando-se, pois, da pretensão liberal.

Neste pensar, Zagrebelsky propõe uma distinção entre Lei e Direito – já efetuada por Hobbes -, mas no sentido de que a Constituição promova o diferencial. Este movimento foi efetuado por Canotilho e retratado recentemente por Miranda Coutinho. A Constitucionalização de direitos do pós-guerra significou a revisão da teoria de direitos subjetivos – concedidos pelo Estado, na versão alemã. Para tanto, é urgente que a norma seja compreendida em face de princípios e regras, conquanto este movimento retire a ilusão da plenitude, unidade e certezas defendidas pelos defensores da ordem. É patente a dificuldade em lidar com princípios, mormente porque dependem de ponderações em face do caso analisado (Alexy), arredando o princípio duro da legalidade, o qual depende, agora, de procedimentos comunicativos de eleição de valores. O embate e escolha se darão, então, no discurso – lugar do logro (Lacan) -, mediante o estabelecimento de procedimentos leais e diante da pluralidade ideológica. A discussão, pois, entre objetivistas e subjetivistas perde o sentido. O que acontece, assim, é o estabelecimento de sentidos comunicativos, no tempo e espaço.

De sorte que o que resta é conviver com a incerteza democrática de um direito flexível, próprio dos sistemas atuais, no qual Zagrebelsky aponta como princípio fundamental o da “razoabilidade”, tendo no Judiciário o palco de embates das pretensões; e aos juízes cabe o papel de garantidores da tensão entre lei, direito e justiça.

(1) ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho ductil: ley, derechos y justicia. Madrid: Trotta, 1995.

Alexandre Morais da Rosa

é doutorando (UFPR).

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