O direito é apenas o que está nos códigos?

Podemos conceituar um código, como sendo um conjunto orgânico e sistemático de normas jurídicas que tratam sobre determinado campo do Direito. Ou seja, um código não é a materialização do Direito, mas apenas a materialização de parte do Direito. Porém, não é difícil perceber que o homem comum acaba identificando o Direito, como sendo apenas aquilo que está no conteúdo de um Código. Devemos pois, sempre lembrar que a codificação é apenas uma opção, um instrumento do Direito, aliás, existem sistemas que não adotam a codificação com nós (Brasil) a percebemos, como exemplos o Reino Unido e os Estados Unidos (common law).

Quando a França conheceu seu Código Civil (que forma com o Corpus Juris Civilis do Imperador Justiniano 529 DC, dois dos grandes monumentos da codificação) em 1804, juristas daquela época (Escola da Exegese) e que eram também professores, afirmavam que não ensinavam o Direito, mas sim, o Código Civil Francês (Bugnet). Ou seja, identificavam o Direito como sendo apenas e tão somente o texto da Lei, o Código Civil Francês seria a encarnação do Direito. Não haveria um outro Direito, apenas o Código seria o Direito. Visão reducionista!

Com relação ao Direito Civil pátrio, estamos vivendo a vacatio legis que prepara o país para o Novo Código Civil, a entrar em vigor no próximo ano. Há uma intensa atividade da Doutrina no preparo de comentários ao novo Código. Muitos seminários, debates e palestras, estão em desenvolvimento tendo como foco o novo Código. As atenções estão voltadas ao novo Código. A mídia que tem como centro o fenômeno jurídico, está voltada ao novo Código.

Outro dia um estudante em final de seu curso de Direito, perguntava se estavam perdidos seus anos de estudo que foram trabalhados no Código atual. Sim, pois no próximo ano ele seria substituído. Ora, se um estudante de direito tem esta preocupação, imagine o que se passa na mente do cidadão comum. A codificação tem seus méritos (certeza e segurança, por exemplo), porém, ela acaba por reduzir o Direito ao mero conteúdo dos livros das leis. O Direito não pode ser conceituado com o conteúdo de um livro. O Código é apenas uma das faces do Direito. Embora Hans Kelsen (que desenvolveu uma teoria reconhecida por significativa parte da doutrina internacional) tenha reduzido o Direito à norma – Teoria Pura do Direito -, ou seja, o Direito seria apenas a norma jurídica, a Lei, o Código, havemos de lembrar que tanto o valor como o fato igualmente contribuem à formação do Direito, como ensina Miguel Reale em sua Teoria Tridimensional. Direito não pode ser conceituado apenas como a norma! E se a norma atentar contra um valor humano, um dos direitos fundamentais? O estado pode utilizar-se da norma para legitimar a opressão, por exemplo.

Devemos lembrar aos estudantes que o Direito não se reduz a um mero livro, o Código Civil por exemplo. O Código Civil, por mais avançado que seja, por mais bem elaborado que tenha sido seu processo legislativo, jamais poderá resolver satisfatoriamente todos os conflitos humanos. A experiência humana, as relações humanas, os conflitos humanos, fazem surgir dia a dia problemas existenciais que um só Código não consegue resolver (clone, transgênicos, relações virtuais…), por não poder acompanhar com igual velocidade a evolução das relações sociais.

A codificação como já dissemos tem seus méritos, mas não raro ela contém antinomias (conflito entre duas ou mais normas) e lacunas, que exigem o socorro aos princípios de direito para solução.

O nosso sistema é um sistema codificado, logo, nada resolveremos se rejeitarmos os códigos, o problema surge quando damos poder absoluto ao código. No momento em que identificarmos o Código como a representação total do Direito, quando nós o glorificarmos, certamente o homem passará a servir ao Código. Não pode ser assim, o Código é que deve servir ao homem.

É necessário pois, que as escolas de Direito, sempre lembrem aos acadêmicos que a codificação é mero instrumento do Direito, que o Direito é um fenômeno muito mais rico que o resultado da atividade parlamentar, que eventualmente pode vir de encontro aos anseios sociais.

Ramiro de Lima Dias

é advogado em Cascavel-PR, professor na Academia de Direito da Faculdade Assis Gurgacz.

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