O direito de defesa

Não há direito humano mais elementar que o de defesa. Não se pode negá-lo ao mais abjeto dos criminosos.

O direito é uma ciência – e corresponde a uma das mais elevadas conquistas da civilização no curso da História humana. E o direito prevê a defesa como princípio elementar da Justiça.

Dentro do chamado devido processo legal, o direito elementar do detido (seja lá quem for) é o de saber do que é acusado – e, simultaneamente, o de dispor de um advogado para vocalizar sua defesa, com base na lei.

Não se pode confundir o advogado com os eventuais erros de seus clientes. Não pode a polícia ou quem quer que seja tratá-lo como se fosse o próprio delinqüente. Não pode lhe vedar acesso ao cliente ou lhe ocultar as causas da prisão.

Há muito clamamos por polícia eficiente, investigativa, cidadã. Mas não queremos que se confunda eficiência com arbitrariedade, rigor com truculência, justiça com linchamento. Não há qualquer conflito entre eficiência e legalidade.

Muito pelo contrário: só há eficiência com legalidade. Caso contrário, em algum momento, a transgressão será cobrada – e a sociedade será chamada a repará-la. Ao tempo da ditadura, nós, advogados, enfrentamos a truculência da polícia política, indo aos porões em busca de contato com nossos clientes, vítimas da ilegalidade. Alguns de nós sofreram agressões, ameaças, danos à integridade física. Mas restabelecemos o instituto do habeas corpus, como ponto de partida à luta pela redemocratização. Não podemos permitir retrocessos. E não podemos perder de vista que a legalidade exige vigilância permanente.

E não é apenas nas ditaduras que os direitos humanos são ameaçados e violados. Também nas democracias, se não houver vigilância cívica – essa vigilância que nós, da OAB, historicamente temos exercido -, a barbárie se restabelece. Daí nosso empenho em enfrentar o furacão.

A recente Operação Furacão, da Polícia Federal, detendo personalidades de projeção na sociedade brasileira – algumas do próprio Poder Judiciário -, ignorou-o num primeiro momento, cerceando o acesso dos acusados a seus advogados, bem como o desses aos autos. A OAB protestou junto a autoridades do Executivo e do Judiciário. Ao fazê-lo, não pediu que a polícia fosse negligente com o crime. Muito pelo contrário: queremos rigor nas investigações, sem qualquer tipo de complacência – e quanto mais alta a patente do infrator, maior o rigor na aplicação da lei.

De nosso ponto de vista, aplaudimos quando a polícia deixa de cuidar apenas do pequeno infrator e direciona suas antenas para o grande infrator. Mas, tanto num caso como no outro, do pequeno ou grande infrator, a ação tem que estar nos limites da lei – ou então a polícia estará se equiparando aos próprios criminosos.

A percepção de que a cultura da impunidade ainda predomina em nosso país leva muitas vezes a sociedade a ansiar por ações justiceiras, que transgridem a verdadeira justiça e levam o combate ao crime a se igualar ao próprio crime. Essa a lógica que resulta no advento das milícias e esquadrões da morte.

É compreensível esse desabafo por parte de quem não tem responsabilidades institucionais. Mas é inaceitável que os que a têm endossem essa conduta.

É absolutamente inaceitável. A OAB, ao protestar contra o procedimento da Polícia Federal, de impedir que os advogados dos detidos na Operação Furacão tivessem acesso aos autos e contatos com seus clientes, manifestou-se em favor do sagrado direito de defesa. Direito inalienável, portanto.

Nada mais. Não pediu – e não pede – que se deixe de investigar e punir os que delinqüiram. Muito pelo contrário: juntamos nossas vozes ao clamor da sociedade brasileira por um país mais justo – e por uma Justiça que não puna apenas o pobre, os destituídos de meios para acessá-la.

O advogado não é inimigo da polícia; os dois podem – e precisam – andar juntos para o bem da sociedade, e é isso que queremos. É preciso evitar erros como os ocorridos nas várias e repetidas operações policiais – e não sou eu quem está dizendo isso: é a Constituição, é a lei, é o Supremo Tribunal Federal, que, por intermédio do ministro Cezar Peluso, determinou que haja regras claras, em que os presos sejam ouvidos diretamente por seus advogados, sem interfones ou outras restrições, e que os advogados tenham acesso ao processo.

Cezar Britto é presidente da OAB nacional. E-mail: presidencia@oab.org.br

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