Com o evento da Revolução Industrial, o homem criou e recriou meios para adaptar a natureza ao seu bem estar, ou seja, a natureza, a principal matéria prima para a produção dos mais diversos bens de consumo.
Foi a partir da Revolução Industrial, que, provavelmente,tenha surgido a mais profunda transformação que afetou a humanidade desde o Período Neolítico; as economias nacionais passaram a distribuir ou fornecer bens e serviços, multiplicando-os ininterruptamente para um número cada vez maior de pessoas, o que acontece até os dias atuais.
Os problemas ambientais eram de pequena monta. É nítido que, na chamada Revolução Industrial ,não havia preocupação com o meio ambiente. Os recursos naturais eram abundantes, e a poluição não era motivo de preocupação para a sociedade da época. As exigências ambientais eram mínimas e o símbolo do progresso era, nada mais nada menos, do que a fumaça saindo das chaminés das indústrias.
Após a II Guerra Mundial, os habitantes das cidades, em várias partes do mundo, começaram a valorizar a natureza intocada, que deixou de ser vista como terra de ninguém ou desperdício de recursos, mesmo quando não explorada no sentido tradicional.Assim,as primeiras indagações e preocupações com o meio ambiente começaram a despontar, quebrando paradigmas.
De uma forma geral, e segundo Alexandre Kiss (pioneiro do Direito Ambiental Internacional, autor da monumental obra “Droit International de l´Environnement – 1.ª ed. 1989), o ano de 1968 pode ser considerado como o surgimento da chamada “era ecológica”.
No início daquele ano, em Roma, a convite do industrial Andreia Peccei e do cientista Alexander King, reuniu-se um grupo internacional de profissionais das áreas diplomáticas e industriais, da sociedade civil e acadêmica, chamado Clube de Roma.
O “Clube de Roma” fez o estudo mais famoso da época – o relatório “The Limits to Growth” que expôs ao mundo o problema ambiental, chegando-se à conclusão de que era necessário e urgente o início de um processo de se buscar meios para a conservação dos recursos naturais e controlar o crescimento da população, além de se investir numa mudança radical na mentalidade de consumo e procriação. Foram também divulgadas formas para a sociedade atentar para o progresso sustentável na esfera ambiental.
Os efeitos dessa publicação internacional nas áreas de política, economia e ciência são considerados como o “Big Bang”. O Direito Ambiental Internacional surgiu somente no século XX, oriundo do aumento de problemas ambientais, mas, principalmente, da necessidade de se proteger o uso e a conservação dos recursos naturais; de se conscientizar ecologicamente a nível global, e de se valorizar o meio ambiente em geral o qual insta uma tutela internacional do meio ambiente.
Problemas ambientais provocaram em todo o mundo o surgimento de uma vasta gama de leis, por acordos, normas, decretos e tratados, de aplicações a nível internacional ou nacional, que demandaram uma grande capacitação de especialistas do direito.
As primeiras obras jurídicas denominavam o Direito de Ecológico. Posteriormente em Portugal, por exemplo, passou-se a adotar o termo “Direito do Ambiente”. Já no Brasil adotou-se “Direito Ambiental”.
Em 1986, em Viena, Áustria, foi assinada a “Convenção sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais”.
Interessante lembrar, como exemplo, que o aviso sobre o acidente de Tchernobyl, em 1986, foi divulgado não pelo país onde ocorreu o acidente, mas sim por um Estado vizinho.
Os Estados – de acordo com a regra convencional – tem o dever de informar com urgência outros Estados suscetíveis de serem afetados pelas consequências de toda a situação ou de todo o ato que possa causar efeitos nocivos ao seu ambiente.
Elida Séguin no seu livro “Direito ambiental: nossa casa planetária” enfoca a seguinte problemática: a Comunidade Internacional, sistematicamente, procura compor interesses ambientais, através de tratados e convenções, mas esbarra na questão doutrinária que defende a autonomia das duas ordens jurídicas: a interna e a internacional.
As ações praticadas localmente podem e devem repercutir em outra região. Todas estão direta ou indiretamente ligadas, como em uma “cadeia sistêmica”, onde a alteração ou bloqueio em uma parte é sentido na extensão de todo esse sistema. Como refere Guido Fernando Soares no seu livro “Direito Internacional do Meio Ambiente:
Emergência, Obrigações e Responsabilidades”, “… o Direito Internacional Ambiental buscaria os meios de restabelecer um equilíbrio entre o homem e o seu ambiente, por meio da atuação dos mecanismos jurídicos”.
O poder público, as sociedades, a classe política, tem o dever de defender e de preservar o meio ambiente para gerações futuras, pois se trata de um direito de todos e para todos.
A jurista brasileira, Helita Barreira Custódio também defende legalmente o meio ambiente como sendo: “(…) o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, considerando-se ainda, o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo.”
Veja-se a lição de Leme Machado: “…os bens que integram o meio ambiente planetário, como água, ar e solo, devem satisfazer as necessidades de todos os habitantes da terra. As necessidades comuns dos seres humanos podem passar tanto pelo uso como pelo não uso do meio ambiente”.
Já o jurista português, João Pereira Reis defende que “ambiente” e “natureza” não pertencem à mesma realidade, não são conceitos sinônimos. O conceito de “ambiente” é mais amplo do que o conceito de natureza, na medida que tende a abarcar a totalidade de vida do homem.
Para ele “ambiente” será para as Comunidades Européias “(…) o conjunto dos elementos que, na complexidade de suas relações, constitui o quadro, o meio e as condições de vida do homem, tal como existem ou tal como são sentidos.”
O Meio Ambiente interfere e condiciona o ser humano, que vive dentro de uma teia de relações, considerando-se que o desenvolvimento humano está diretamente ligado ao ambiente.
O Direito Ambiental tem como objeto a proteção do meio ambiente, e pode ser definido como o conjunto de princípios e regras impostos coercitivamente pelo Poder Público competente e por disciplinadores de todas as atividades, direta e indiretamente relacionadas com o uso racional dos recursos naturais (ar, águas superficiais e subterrâneas, águas continentais ou costeiras, solo, espaço aéreo e subsolo, espécies animais e vegetais, alimentos, bebidas em geral, luz e energia).
Relacionando-se ainda, com a promoção e proteção dos bens culturais (de valor histórico, artístico, arquitetônico, urbanístico, monumental, paisagístico, turístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico), tendo por objetivo a defesa e a preservação do patrimônio ambiental (natural e cultural) e, por finalidade, a incolumidade da vida em geral, tanto a presente como a futura.
O Direito do Ambiente, apesar de recente, passou rapidamente por sua consolidação. E, mesmo sendo um Direito “novo”, já passou por três idades distintas, como sabiamente as delimitou Melo Rocha, como sendo as fases da “idade da inocência” que vai de 1972 a 1987, a da “idade da adolescência”, de 1987 a 2004, a “idade adulta” a partir de 2005 e que continua a se desenhar nos anais do direito.
(Mário Melo Rocha é diretor do Gabinete de Direito Europeu do Ambiente (GDEA), docente da Universidade Católica do Porto e responsável pelo Departamento de Direito do Ambiente, da Sociedade Internacional Simmons & Simmons Rebelo de Sousa).
Trata-se de um Direito denominado de terceira geração. As convenções e acordos constituem a base do Direito Internacional do Ambiente que provém do Direito Internacional Público, no mesmo plano do Direito do Mar e dos Direitos Humanos, focado na instituição de normas e conjunto de princípios ambientais internacionais, com fins de conservação, e em busca do uso racional do meio ambiente, voltados à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Posteriormente, o Direito Internacional do Ambiente veio a contagiar os direitos internos.
Transgressões ao meio ambiente e um capitalismo desenfreado no cenário internacional propiciaram o desenrolar, a libertação e o desabrochar de mais uma “cadeia sistêmica” do Direito e não propriamente um “ramo”, tudo isso em prol da manutenção da vida e do respeito aos bens necessários ao planeta.
No Seminário “A prática jusambiental recente: casos, linhas de doutrina e de jurisprudência”, realizado em maio de 2008, na Universidade Católica do Porto – Portugal, Mario Melo Rocha, referindo-se ao Direito do ambiente, enfatizou que essa área trabalhou as velhas matérias do Direito, percorreu todos os trilhos traçados pelas classificações clássicas, envolveu-as e só depois, anos mais tarde, delas se libertou para afirmar o seu espaço próprio.
E é a partir dessa “cadeia sistêmica” do Direito que se pode acompanhar o amadurecimento das ações voltadas para a preservação do meio ambiente bem como de uma relação mais saudável com este.
Há que salientar que o Direito Ambiental sempre se espraia além das fronteiras, por sua própria natureza. Trata-se de um DIREITO universal por excelência.
Salienta-se também a ótica de Edis Milaré, quando afirma que O Direito Ambiental (não independente, mas na condição de disciplina especializada), é fundamentalmente multidisciplinar. Cabendo-lhe assim congregar conhecimentos de uma série de outras disciplinas e ciências que podem ser jurídicas ou não.
Por isso, tem contato direto com a Ecologia, a Economia, a Antropologia, a Sociologia, a Estatística, a Política e com as demais ciências que tenham cunho humanístico ou técnico-especializado em correlacionadas à matéria ambiental.
Para o também jurista português Diogo Freitas do Amaral, o Direito do Ambiente “…nasce, não para regular as relações dos homens entre si, mas para tentar disciplinar as relações dos Homens com a Natureza, os direitos do Homem sobre a Natureza, os deveres do Homem para com a Natureza, e, eventualmente, os direitos da Natureza perante o Homem.”
O Direito Ambiental busca, em algumas disciplinas tradicionais, seus fundamentos, princípios e instrumentos, os quais acabam por lhe dar autonomia, como o Direito Constitucional (o meio ambiente como direito fundamental da pessoa humana), o Direito Administrativo (as licenças ambientais e sanções administrativas), o Direito Civil (o regramento do dano ambiental), o Processo Civil (a ação civil pública ambiental), o Direito Tributário (os mecanismos tributários de proteção ao meio ambiente), o Direito Penal (os crimes ambientais e as penalidades), etc.
Ainda, na visão de Freitas do Amaral “…É uma nova era em que a humanidade está a entrar ante os nossos olhos: é mesmo, porventura, uma nova civilização. Por isso mesmo, essa nova civilização começa a gerar o seu Direito – um novo tipo de Direito. O Direito do Ambiente não é mais um ramo especializado de natureza técnica, mas pressupõe toda uma nova filosofia que enforma a maneira de encarar o Direito.”
O Direito Ambiental procura criar leis, legislar para um novo paradigma, na tentativa de salvar o planeta desse novo inimigo “o aquecimento global”. Palavras novas, fatos novos, eventos novos necessitam de novas leis para a busca incansável na luta contra esse novo problema da sociedade: esfriar a terra.
Para a jurista francesa, Jacqueline Morand-Deviller, professora da Universidade de Paris (Panthéon-Sorbonne), o Direito do Ambiente é também denominado um “direito de reconciliação”.
O ser humano busca sua reconciliação com o meio ambiente, por meio da idéia de desenvolvimento sustentável, respeitando estruturas naturais que o cercam e que são exauríveis, o oposto do que antes se pensava.
Foi o próprio ambiente que nos alertou que os recursos são esgotáveis, por meio do acentuado aumento de catástrofes naturais e desastres ecológicos, causados pelo homem e pela busca incessante do desenvolvimento tecnológico desenfreado e destruidor do meio ambiente.
Nesse diapasão segue a afirmação do jurista e professor da Universidade da Califórnia, Richard Brooks: “(N)um pano de fundo de tradições passadas, problemas presentes e tendências futuras, podem ser debatidas as alternativas de solução para os nossos problemas ambientais e estabelecido o papel específico da lei.”
O papel da lei deve ser estudado, ou mesmo estabelecido, como base nas tradições, nos acontecimentos presentes e mesmo nas previsões de futuro ou, principalmente, antever os fatos. Pois o Direito Ambiental busca fazer as leis antes que os fatos aconteçam.
O Direito do Ambiente, tanto a nível nacional como internacional, apresenta algumas particularidades, uma delas é a necessidade de cooperação e de prevenção e também se adaptar a certas modificações que podem interferir nas condições da proteção do meio ambiente natural.
A prevenção é o ponto de equilíbrio no domínio ambiental, porém, nem sempre é possível evitar o dano, podendo inclusive, na sua grande maioria, ser sem reversão, um dos principais motivos de o Direito do Ambiente necessitar de normas repressivas, com graus de eficácia diversos.
Algumas situações já são desenvolvidas de outra forma, como exemplo o MDL, emissão de GEE, que são mecanismos de mercado que, ao invés de reprimir, incentivam industriais e a sociedade a reduzir as emissões poluentes, tendo lucro o Estado que reduzir as suas emissões, pois caso contrário sofrerão penalizações.
É perceptível que a dimensão e a complexidade técnica de problemas, tais como aquecimento global, a produção exagerada de dióxido de carbono (CO2) e a aceleração da desertificação ultrapassam a capacidade técnica dos Estados, mesmo os considerados mais evoluídos.
E é a partir de situações como essas que surge a necessidade de se adotar medidas urgentes e coerentes de uma comunidade internacional. Atualmente todos são confrontados com novos desafios de proporções globais.
Mesmo em sua maturidade, o Direito do Ambiente tem muitos paradigmas a superar, tais como a diminuição dos riscos, a prevenção da poluição, a preservação do ambiente, da natureza, já sendo incorporados em leis, tais como, os sumidouros de carbono, as energias renováveis e os biocombustíveis.
O Direito do Ambiente é também considerado moderno em outro aspecto. Este recente domínio jurídico procura reconhecer novos tipos de DIREITOS que não foram totalmente reconhecidos no passado e busca-se definir os atuais problemas ambientais, na tentativa de elucidá-los, escrevendo a história desse Direito em nossa sociedade, pois ele é um dos elementos vitais do processo de desenvolvimento sustentável.
Com a globalização das questões ambientais em vista da crescente conscientização, o Direito Ambiental desenvolveu-se, sendo aceito em muitos países do mundo, adquirindo conotação internacional.
Para Séguin, a delineação do conteúdo do Direito Ambiental faz-se de forma gradativa, oriunda do desenvolvimento científico e tecnológico, induzindo assim a uma transdisciplinariedade do Meio Ambiente, quando o objeto é modificado pela forma holística.
Esse Direito, como anteriormente citado, é uma “cadeia sistêmica” autônoma, possui objeto próprio de estudo, que não é apenas o ambiente, mas a relação desse com o meio social, ético, cultural e político, na perspectiva de proteção integral dos recursos naturais, para que estes possam satisfazer as necessidades das presentes gerações, sem prejudicar o direito das gerações vindouras.
Devido à cientificidade e relativa autonomia, os operadores do Direito Ambiental devem saber utilizar as fontes de informação na área, com o intuito de entender o processo de comunicação da produção do conhecimento, e para tirarem proveito das pesquisas e instrumentos de pesquisa, de modo eficiente, não se limitando à regulação do uso dos recursos naturais, mas com vocação para transformar os demais ramos do Direito, já que sua função principal é a preservação, o ambiente e o equillíbrio da vida planetária.
Nota: O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é um dos mecanismos de flexibilização criados pelo Protocolo de Quioto para auxiliar o processo de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) ou de captura de carbono (ou sequestro de carbono).
Emilia Luiza Casagrande Boska é mestre em Direito Internacional Público pela Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa – Portugal. Especialista em Genética e Direito pela Universidade de Coimbra – Portugal. Professora do curso de Direito das Faculdades do Centro do Paraná – UCP. Especialista em Direito Ambiental, AIA, licenciamentos. elciomelhemadvocacia@uol.com.br
