Emissoras de rádio e televisão
A Constituição da República elege expressamente a radiodifusão como um serviço público cuja finalidade é promover o acesso à informação, ao lazer e à cultura nas remotas regiões do país, além do suprimento parcial das necessidades de comunicação nas localidades não atendidas pelo serviço postal ou pelo sistema telefônico.
Estes serviços, em regra, são prestados mediante autorização, concessão ou permissão, onde os titulares são retribuídos através do direito à exploração da publicidade e obrigados à contraprestação pecuniária pela outorga dos serviços, além do dever constitucional de exibir e produzir, preferencialmente, programas educativos, artísticos, culturais, informativos e regionais, respeitando os valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Intrínseco ao dever de informação, arraiga-se a imposição legal de transmitir a propaganda política gratuita com o escopo de apresentar, em igualdade de condições, os candidatos e suas propostas.
Algumas emissoras, em razão deste ônus social, pleitearam judicialmente a compensação fiscal pelas despesas operacionais e pela ausência de receita publicitária no horário de transmissão. Na Justiça Eleitoral(1), a matéria não foi conhecida em razão da incompetência absoluta, enquanto no Tribunal Regional Federal da quinta região decidiu-se que “não é devido o ressarcimento fiscal no IRPJ, ano base 1990, pelos espaços gratuitos cedidos à justiça eleitoral, em face de inexistir autorização legislativa(2)”.
Entre 1989 e 1998 não existiam normas retributivas tributárias concernentes à propaganda partidária, enquanto a legislação pertinente à propaganda eleitoral era renovada a cada pleito, embora a matéria tivesse ficado carente de normatização para o exercício de 1990. Contudo, o ressarcimento destas despesas poderia ser efetuado na forma extrafiscal com base no vigente artigo 41 da Lei n.o 4.117/62(3) que prevê que “as estações de rádio e de televisão não poderão cobrar, na publicidade política, preços superiores aos em vigor, nos 6 (seis) meses anteriores, para a publicidade comum”. Desta forma, a limitação expressa dos preços da publicidade oficial oculta a existência de uma norma permissiva ao direito de indenização pela emissora.
Tal dispositivo do Código Brasileiro de Telecomunicações ainda é valioso às emissoras do sistema de radiodifusão comunitária (RadCom) que, sem fins lucrativos e sobrevivendo de meros patrocínios, não dispõem de meios contábeis para a compensação fiscal.
Por conseguinte, a compensação foi prevista para a propaganda partidária pelo artigo 52, parágrafo único da Lei n.o 9.096/95(4) e para a propaganda eleitoral pelo artigo 99 da Lei n.o 9.504/97(5) que, em idêntica redação, disciplinam que “as emissoras de rádio e televisão terão direitos à compensação pela cedência do horário gratuito previsto nesta lei”.
A eficácia destes dispositivos resvalaria, aparentemente, na regra do artigo 66, § 1.o da Lei n.o 8.383/91(6), que reza “a compensação só poderá ser efetuada entre tributos da mesma espécie”, visto que a compensação das despesas com a propaganda política gratuita não se efetiva entre tributos, mas no subsídio da prestação de um serviço público através de tributos. A legislação ordinária eleitoral, neste caso, prevalece à lei ordinária tributária em virtude da posterioridade, incompatibilidade e regulamentação total da matéria, conforme a exegese do artigo 2.o § 1.o da Lei de Introdução do Código Civil.
A regulamentação, entretanto, sucedeu-se, definitivamente, por intermédio do Decreto n.o 3.516/00(7) e do Decreto n.o 3.786/01(8) que estabeleceram a redução da base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas a partir da presunção de uma despesa de oitenta por cento do preço da publicidade daquele horário na programação normal. Vale lembrar que, segundo o supracitado artigo 41 da Lei n.o 4.117/62, o preço da propaganda política tem como parâmetro os valores praticados no semestre anterior.
A contabilização se efetiva pelo abatimento do lucro líquido do resultado da multiplicação do preço do espaço comercializável por oito décimos (0,8), o que implica na alteração do resultado do exercício e, conseqüentemente, na base de cálculo para fins tributários.
Apesar destes decretos alcançarem apenas as eleições subseqüentes a 2000, ainda é possível, dentro do prazo prescricional e decadencial, requerer administrativamente ou judicialmente a repetição do indébito em referência ao pleito de 1998 com base no Decreto n.o 2.814/98(9) que promoveu a repristinição do Decreto n.º 1.976/96(10).
É conveniente salientar que a superestimação dos valores lançados implica na responsabilidade pelo crime de sonegação fiscal tipificado pelo artigo 1.o, II da Lei n.o 4.729/65(11) em concurso formal com o crime de majoração de serviços necessários à realização das eleições, previsto pelo artigo 303 do Código Eleitoral.
Porém, os decretos ainda não são suficientes para regulamentar os dispositivos fisco-eleitorais pela inadequação do processo legislativo em razão do artigo 170 do Código Tributário Nacional que vincula a compensação fiscal à edição de lei ordinária determinante das condições e garantias para a aplicação. Neste caso, a eficácia destes decretos careceria de um contorno através de mandado de injunção, uma vez que a falta de uma norma regulamentadora, in casu, inviabilizaria o exercício de um direito garantido pela legislação fisco-eleitoral.
Prestadoras de serviços de telecomunicações
A programação política gratuita é transmitida através da formação de rede de rádio e televisão onde a conexão com a emissora geradora é efetivada pelo sistema de telecomunicações, cujos ressarcimentos pelos custos operacionais, após a desestatização, passaram a ser cobrados pelas concessionárias.
Por conseguinte, os mencionados decretos também prescrevem, em redação idêntica, nos artigos 1.o , § 5.º, que “as empresas concessionárias de serviços públicos de telecomunicações, obrigadas ao tráfego gratuito de sinais de televisão e rádio, poderão fazer a exclusão prevista neste artigo, limitada a oito décimos do valor que seria cobrado das emissoras de rádio e televisão pelo tempo destinado à propaganda partidária gratuita e aos comunicados, instruções e a outras requisições da Justiça Eleitoral”.
Na elaboração destes diplomas regulamentares, prima facie, não foram observadas as categorias de propaganda política, uma vez que privilegiaram em duplicidade a compensação fiscal relativa à propaganda partidária, olvidando-se da atinente a propaganda eleitoral.
A propaganda política partidária gratuita, prevista pela Lei 9.096/95, é aquela extemporânea ao período eleitoral e que tem como finalidade a difusão dos programas partidários, a divulgação da posição do partido acerca de temas relevantes e a transmissão de mensagens aos seus filiados, sendo vedada a participação de candidatos ou filiados.
A propaganda política eleitoral gratuita, por seu turno, tem por escopo a apresentação dos candidatos ao eleitorado com vistas às eleições vindouras, sendo restrita ao período pré-eleitoral e submetida aos ditames da Lei n.o 9.504/97.
Não obstante a imperfeição técnica-legislativa, ressalta-se que os decretos citados são ancilares a um dispositivo regente exclusivamente às empresas de radiodifusão, além de contrariar a vedação expressa do artigo 370 do Código Eleitoral, cujo texto enuncia que “as transmissões de natureza eleitoral gozam de franquia telefônica ou radiotelefônica em linhas oficiais ou nas que sejam obrigadas a serviço oficial”.
Tais diplomas normativos conflitam com o princípio da legalidade tributária, uma vez que, como decretos, destinam-se tão-somente a fiel execução das leis ordinárias, não sendo dotados de poder suficiente para alterar o conteúdo da lei ou inovar o ordenamento jurídico.
Com efeito, as empresas de radiodifusão têm ao seu dispor dois dispositivos legais autorizadores da compensação fiscal, mas ilegalidade formal na regulamentação, enquanto as empresas de telecomunicações se subsidiam destes mesmos decretos que normatizam uma lei inexistente.
NOTAS
(1) Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Matéria administrativa n.º 15.427/SC. Relator: Alcides dos Santos Aguiar. 29 fev. 1996. Diário da Justiça do Estado de Santa Catarina, 10 set. 1998.
(2) Tribunal Regional Federal da quinta região. Remessa ex officio de mandado de segurança n.º 52.374/PB. Terceira turma, relator: Juiz Ridalvo Costa. 29 fev. 1996.
(3) Lei n.o 4.117/62, de 27 de agosto de 1962. Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações.
(4) Lei n.o 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os artigos 17 e 14 § 3.o, V da Constituição Federal.
(5) Lei n.o 9.504, de 20 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições.
(6) Lei n.o 8.383, de 20 de dezembro de 1991. Institui a unidade fiscal de referência, altera a legislação do imposto de renda, e dá outras providências.
(7) Decreto no 3.516, de 20 de junho de 2000. Regulamenta o parágrafo único do art. 52 da Lei n.º 9.096, de 19 de setembro de 1995, para os efeitos de ressarcimento fiscal pela propaganda partidária gratuita relativamente ao ano-calendário de 2000 e subseqüentes.
(8) Decreto n.o 3.786, de 10 de abril de 2001. Regulamenta o art. 99 da Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997, para os efeitos de ressarcimento fiscal pela propaganda eleitoral gratuita relativamente ao ano-calendário de 2000 e subseqüentes.
(9) Decreto n.o 2.814, de 22 de outubro de 1998. Regulamenta o art. 99 da Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997, para efeito de ressarcimento fiscal pela propaganda eleitoral gratuita relativa às eleições de 4 de outubro de 1998.
(10) Decreto n.o 1.976, de 6 de agosto de 1996. Regulamenta o art. 80 da Lei n.º 8.713, de 30 de setembro de 1993, para efeito de ressarcimento fiscal pela propaganda eleitoral gratuita, relativa às eleições de 3 de outubro de 1994.
(11) Lei n.o 4.729, de 14 de julho de 1965. Define o crime de sonegação fiscal e dá outras providencias.
Rogério Carlos Born é técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba e escritor jurídico (www.rcborn.cjb.net, rcborn@uol.com.br)