Os recentes episódios acerca da reforma da Previdência demonstraram, mais uma vez, que as negociações esbarram no instante em que a engenharia política invade a demarcação da engenharia econômica. Este vai-e-vem patrocinado pelo governo federal, que introduziu modificações de última hora para acomodar interesses corporativos, fez-me recuar no tempo e levantar esta questão. O clímax do debate passa por um tema tão provocativo quanto necessário: até que ponto a reforma previdenciária será abrangente, corajosa e ousada para afetar interesses diversos?
Não me cabe produzir um documento conceitual sobre o lobby conduzido pelos homens do Judiciário ou a ira ensandecida externada pelos servidores federais e sindicalistas e, muito menos, comentar as trapalhadas e tropeços verbais na condução do processo, a falta de coordenação política que produziu concessões, recuos e a reformulação do texto inicial. Nem analisar o sobe-e-desce dos vitoriosos e derrotados – se é que existe algum em meio a este embate de múltiplas facetas. Entre idas e vindas, no entanto, a reforma da reforma, da maneira como foi aprovada no relatório do deputado José Pimentel (PT-CE), não obtém o tão almejado equilíbrio das contas públicas.
Em face ao anúncio das novas regras, como a questão da integralidade ou da contribuição dos inativos, dentre outros temas pertinentes e polêmicos, cálculos iniciais mostram que nos próximos três anos o governo federal fará uma economia estimada de 12%, ou seja, trocará um déficit de R$ 43,5 bilhões por outro de R$ 38,2 bilhões. O rombo, porém, continua. Os privilégios foram mantidos, em condições mais ortodoxas que o atual, é verdade, mas é pouco, muito pouco, para um projeto que prometia sepultar as distorções sociais, alavancar o desenvolvimento e fazer desse País um lugar mais justo para se viver. A proposta comprova que o Brasil continuará a gastar mais com a sua Previdência que outras nações desenvolvidas.
A disparidade incomoda pelo gigantismo do prejuízo. A Previdência dos funcionários públicos tem déficit aproximado de 3,5% do PIB – Produto Interno Bruto, num universo de 3,2 milhões de pessoas, enquanto as contas do INSS chegam a 1,5% do PIB, embora atendam 17,5 milhões de brasileiros do setor privado. A proposta não elimina tais discrepâncias e apenas tenta minimizá-las, com medidas paliativas. É justamente nesse instante que as concessões podem fraudar o objetivo original, pois corre-se o risco de desperdiçar oportunidade preciosa de consertar a situação de uma vez por todas. Seria ingênuo supor que mexer num vespeiro dessa natureza não suscitaria confrontos pelo famoso “direito adquirido”, mas as pressões se tornaram incontroláveis.
Mesmo sem contemplar os 41 milhões de brasileiros que estão na informalidade e excluídos do sistema, a proposta não responde a uma pergunta básica: quais as soluções para exterminar o rombo já existente? Da maneira como está configurada, o futuro exigirá novos ajustes. E como profetizou o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, esta pode não ser a última reforma. Aí, sim, é o Brasil o maior derrotado.
Júlio Sérgio de Souza Cardozo
é presidente da Ernst & Young Auditores Independentes S.C.