O artigo 306 do Código de Trânsito prevê como crime a conduta de ?Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem?. As penas são: ?detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.?
A leitura desatenta desse tipo penal conduz a algumas dúvidas. Dentre elas surgem as seguintes: Como pode ser comprovada a embriaguez? E qual o limite tolerado para a condução de veículo sob ingestão de álcool, sem configurar o crime?
Respondendo a primeira questão, temos que em verdade a lei não exige o estado de embriaguez para a configuração do crime, bastando que o autor do fato esteja ?sob a influência de álcool?. A prova dessa influência pode ser feita por qualquer meio admitido em direito (bafômetro, exame de sangue, exame clínico, testemunhas, vídeo, confissão, etc), tendo aplicação nesse aspecto o princípio do livre convencimento motivado do juiz.
E o limite da ingestão do álcool? É de 6 dg/l (seis decigramas de álcool por litro de sangue), conforme previsto nos arts. 165 e 276 do Código de Trânsito?
A resposta é negativa, pois o tipo penal do artigo 306 não estipulou expressamente nenhum limite (mínimo ou máximo) de ingestão alcoólica para a configuração do crime.
O consagrado penalista Damásio E. de Jesus sustenta que ?não há limite legal, de modo que existe delito na hipótese, por exemplo, de o sujeito dirigir, irregularmente, sob a influência de 4 decigramas de substância etílica por litro de sangue? (Crimes de Trânsito, Saraiva, 1998, p. 152).
Para o juiz e também professor de Direito Penal da PUC-SP, Guilherme de Souza Nucci, qualquer que seja a quantidade de álcool encontrada no organismo do agente, pode permitir que ele cometa o delito previsto no artigo 306. Mesmo estando abaixo do limite permitido pelo próprio Código de Trânsito (6 dg/l), é capaz de estar influenciado pela substância entorpecente, gerando perigo na direção de veículo. Pois, alega: ?Se o condutor dirigir com concentração alcoólica superior a 0.6 está cometendo infração administrativa, mas depende da verificação do perigo concreto para incidir na figura delituosa. Por outro lado, ainda que esteja com menos de 0.6, mas houver perigo, estará cometendo o crime? (Crimes de Trânsito, Ed. Juarez de Oliveira, SP, 1999, p. 43 – destacamos).
Elucidando de vez o assunto, o desembargador paulista Geraldo de Faria Lemos Pinheiro explica que na discussão do projeto do Código de Trânsito no Senado havia a proposição de incluir no tipo penal do artigo 306 a expressão ?em níveis superiores a 6 decigramas por litro de sangue?. Mas ela foi rejeitada, justamente porque a atuação/efeito do álcool é diferenciada de pessoa a pessoa (cfe. artigo publ. no Bol. IBCCRIM. São Paulo, v.7, n.83, p.3-4, out/99).
Damásio igualmente explica que ?não foi aceita, durante a tramitação do Projeto de Lei n.º 73/94, que deu origem a Lei n.º 9.503/97, a proposta de introdução no tipo do limite legal tolerado. No sentido de deixar esta matéria à apreciação do juiz, silenciando o texto sobre o limite de tolerância: Ariosvaldo Campos Pires, Parecer sobre o Projeto de Lei n.º 73/94, que instituiu o CT, oferecido ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, 23 de julho de 1996.? (idem artigo supra referido).
De nossa parte, concordamos que a norma legal inserida no tipo penal do artigo 306 do Código de Trânsito não exige que o seu infrator esteja sob influência de pelo menos 6 dg/l. Esse limite só vale para a esfera administrativa (arts. 165 e 276 do CTB). Na seara penal caberá ao juiz definir, em cada caso concreto, levando em conta as provas do consumo de álcool e a conduta praticada o tipo de condução, ou as manobras feitas ao volante , se houve ou não afetação da capacidade de dirigir (modificação significativa das faculdades psíquicas ou sua diminuição), e se o condutor expôs a dano potencial a incolumidade de outrem, comprometendo a segurança do trânsito.
Rogério Ribas é juiz de Direito da 2.a Vara de Delitos de Trânsito de Curitiba-PR.