O contrato de tv a cabo: a ilegalidade da cobrança por ponto adicional na residência do assinante

O contrato de prestação de serviços de transmissão de sinais em rede televisão fechada, ou televisão por assinatura, ou TV a CABO, nos últimos meses tem gerado calorosa discussão entre consumidores, empresários do ramo, órgãos de defesa do consumidor, jornalistas, juristas renomados, representantes do Ministério Público, integrantes da Magistratura e a opinião pública em geral de vários estados brasileiros. Motivo que se faz necessário debruçar sobre o assunto e delinear alguns pontos relevantes para uma breve reflexão.

O destaque econômico do produto:

Nos últimos anos houve um acréscimo considerável à contratação da prestação de serviços de TV a CABO. Atualmente, segundo a Associação Brasileira de TV por Assinatura ABTA(1), há aproximadamente 4 milhões de assinantes de TV a Cabo no Brasil e destes, cinqüenta por cento possuem pelo menos um ponto adicional de recepção em sua residência. Nesse sentido, o mercado de TV a Cabo no Brasil teve um crescimento de 103% nos últimos seis anos. Por outro lado, segundo levantamento divulgado pela Agência Nacional de Telecomunicações ANATEL(2), os serviços de TV a Cabo que estão disponibilizados podem alcançar mais de 28 milhões de residências no Brasil. E pensar que a TV a Cabo começou no Brasil na década de 1990!

O Contrato de prestação de serviço de TV a Cabo:

No direito brasileiro, referido contrato encontra-se classificado no rol dos contratos de adesão que representa aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pela parte contratual economicamente mais forte, sem que a parte contratual economicamente mais fraca possa discutir e alterar substancialmente o conteúdo do contrato escrito(3). Portanto, o contrato em tela deverá ser regido pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor, eis que na sua apresentação pelo fornecedor, em face das cláusulas rijas e pré-estabelecidas unilateralmente, o consumidor não tem liberdade de contratação ou liberdade de discutir o conteúdo contratual. A prestação do serviço, que consiste em disponibilizar o sinal de radiodifusão ao assinante, somente poderá se efetivar através da formalização do contrato, onde estará prevista a forma e o valor da remuneração pelo serviço a ser prestado. Assim, não é raro que nesse tipo de contrato se encontrem cláusulas nominadas abusivas, em razão da sua elaboração anterior e unilateral(4).

A TV a CABO no Brasil:

Encontra-se regulamentada pela Lei n.º 8.977, de 06.01.1995, que prescreve, além das normas gerais específicas da prestação do serviço de TV a CABO, todas as matérias a ela pertinentes como: outorga de concessão para exploração da atividade, regime das empresas concessionárias, instalação e operação dos serviços, direitos e deveres dos usuários e das operadoras, política tarifária e a obrigação de manter serviço adequado. Ora, por força do Art. 26, da legislação acima referenciada, ?O acesso, como assinante, ao serviço de TV a CABO é assegurado a todos que tenham suas dependências localizadas na área de prestação de serviço, mediante o pagamento pela adesão, e remuneração pela disponibilidade e utilização do serviço?.

Ponto adicional na residência do assinante:

Terminologia empregada ao ponto que se encontra instalado na mesma residência onde se encontra o ponto principal, mas o assinante recebe o sinal de transmissão de maneira autônoma e simultânea. Dessa forma, o ponto adicional quando conectado a um segundo aparelho de televisão, na mesma residência do usuário, mas em local diferente do ponto principal, permite que se utilize a prestação do serviço de TV a Cabo autônoma do ponto principal de modo que se assista simultaneamente programações distintas. Ademais, o ponto adicional pressupõe o regular acesso como assinante ao serviço de TV a CABO e deve estar instalado dentro da dependência do assinante, para fins iguais ao do ponto principal lazer, sem finalidades comerciais.

A ilegalidade da cobrança do ponto adicional:

As informações acima referentes à instalação e utilização do ponto adicional nas dependências da residência do assinante e para lazer dele e de sua família são transmitidas por meio um mesmo sinal de vídeo e/ou de áudio, sem que haja qualquer acréscimo na prestação do serviço disponibilizada através do contrato original. Portanto, não há que se falar em outra prestação de serviço de TV a Cabo. É a mesma prestação de serviço de TV a Cabo inicialmente contratada. Referida prestação de serviço é de caráter público eis que outorgada mediante concessão às operadoras. Portanto, se a prestação de serviços de TV a Cabo inicialmente contratada para o ponto principal foi estendida para o ponto adicional, não houve qualquer outro tipo de serviço prestado que pudesse gerar um custo adicional. Assim, se nenhum outro serviço fora apresentado e prestado ao assinante, não se pode cobrar pela mesma prestação de serviço que é a de transmitir sinais áudios-visuais através de transporte físico da rede de TV a Cabo.

Conclusões:

Vale transcrever o entendimento do Desembargador Dídimo Inocêncio de Paula, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a saber: Uma vez dentro da residência do consumidor, viabilizada a prestação do bem da vida, não pode o fornecedor intervir no uso e distribuição física daquele sinal, ditando o local de sua fruição que, com isso, pode legitimamente ser ditado e eleito pelo consumidor que detém o direito líquido e certo de usar o sinal como bem lhe aprouver dentro da unidade residencial para a qual o mesmo foi destinado. O laudo pericial é claro ao afirmar que: ?… as perdas de intensidade de sinal ocorrem nos cabos e nos elementos da rede denominados ?divisores de sinal?. Tais elementos são utilizados para distribuir os sinais com qualidade em mais de um ponto de TV a Cabo em terminal do assinante, ou seja, no domicílio do assinante?. Idênticos julgados estão sendo prolatados em diversas ações civis públicas protocolizadas Brasil afora; os quais dão respaldo ao Projeto de Lei do Senado n.º 346, de 29.09.2005, de autoria do Senador Pedro Simon(5), a fim de acrescentar o § 3.º, ao Art. 26, da Lei n.º 8.977, de 06.01.1995, com a seguinte redação: ?É vedada a cobrança de adicional pela disponibilidade do serviço de TV a Cabo, quando instalado em pontos adicionais ou pontos extras de entrada de sinal para cada usuário individual ou num único domicílio, desde que não haja destinação comercial para estes pontos.? Finalmente, é chegada a hora de mais uma vez os cidadãos brasileiros buscarem seus direitos e se soltarem das garras maléficas das operadoras de TV a Cabo que estão, há anos, locupletando-se indevidamente dos milhões de assinantes. Ademais, quiçá possa, ainda, os cidadãos brasileiros enganados e prejudicados pelo pagamento do ponto adicional da prestação de serviços de TV a Cabo buscar, em juízo, a devolução dos valores cobrados ilegalmente. Esse, com certeza, será mais um exercício de cidadania a ser experimentado!…

Notas

(1) In, Home press: ABTA revela estimativas de performance do setor para o final de 2005, www.abta.org.br, em 09.12.2005.

(2) In, Balanço 1º. semestre 2005. http://www.anatel.gov.br/tv-assinatura/tvacabo/tvacabo.asp?, em 05.12.2005.

(3) MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.53.

(4) MARTINS, Fernando de Almeida e CANÇADO, José Antonio Baeta de Melo. Nota Técnica 07/2005, do MPF/MPE/PROCON. Belo Horizonte: PROCON-MG, 20.09.2005.

(5) SIMON, Pedro. Senador PMDB-RS, www.senado.gov.br/web/senador, em 01.02.2006.

Adiloar Franco Zemuner é doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA, Buenos Aires; mestre em Direito Negocial pela UEL, Londrina; professora de Direito Civil/Empresarial na UEL e na Metropolitana-IESB e advogada Londrina-PR. 

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