Antônio Dílson Pereira
As questões de trânsito, pela importância, motivam muitas discussões e debates, afinal afeta a todos, tem sido causa de violência nas ruas e estradas, a irresponsabilidade dos motoristas tem sido um dos fatores dessa violência, aliada às péssimas condições das estradas, esburacadas, e a falta de fiscalização efetiva, o que preocupa a todos aqueles que têm alguma sensibilidade.
Esses aspectos, por outro lado, também favorecem a que os órgãos encarregados do trânsito cometam muitas asneiras e extrapolem suas atribuições, seja quanto à lavratura de infrações, a indústria das multas, seja no que diz respeito à edição de regulamentos estranhos.
No primeiro caso, registro que pessoa de meu relacionamento recebeu uma notificação, por suposta violação do artigo 185, I, do Código de Trânsito, segundo o qual: ?Quando o veículo estiver em movimento, deixar de conservá-lo: I na faixa a ele destinada pela sinalização de regulamentação, exceto em situações de emergência;?
A notificação, infelizmente, não indica qual a faixa não foi conservada, já que a rua possui três faixas. É evidente que será feita a defesa do motorista.
No segundo caso edição de regulamentos -, para mim a matéria não é nova, pois à época da edição do Código de Trânsito, escrevi alguns artigos publicados nos jornais de Curitiba abordando o tema, dizia eu num desses artigos, denominado ?A deformação do Código?:
?Quando do advento do Código do Trânsito em vigor, tive oportunidade de escrever dois artigos, num deles manifestava minha preocupação com sua implantação, em face de seu rigor e do avanço que representava. Preocupava-me, no outro, com os abusos que seriam cometidos, em face da competência para legislar delegada ao Contran, principalmente para criar novas infrações.
Nessas oportunidades, tinha duas preocupações básicas: a primeira tinha como fundo a possibilidade de o Código não pegar, como ocorre com muitas outras leis em nosso Brasil. Afinal, somos um País fantástico, onde se editam até mesmo emendas constitucionais inconstitucionais, sem falar na edição indiscriminada de Medidas Provisórias; a segunda dizia respeito ao furor com que os órgãos subalternos, ao regulamentarem leis, extrapolam, indo além do que o legislador imaginou.
Minhas preocupações foram confirmadas, com obrigatoriedade do famoso ?kit de primeiros socorros?, uma inutilidade que somente favoreceu aos especuladores e aqueles que, valendo-se de algum absurdo da lei, se aproveitam e obtém lucros fáceis?.
Felizmente, o famigerado kit foi para o espaço após a grita da sociedade mas depois dos espertos terem auferidos elevados lucros com a complacência das autoridades. Ninguém recebeu de volta o que pagou pela inutilidade.
Agora, vemos acalorada discussão nos meios de comunicação social sobre outra famigerada Resolução do Contran, aquela que obriga os novos veículos que saírem das fábricas contarem com o GPS, equipamento destinado a facilitar suas localizações. Nessas discussões têm-se opiniões para todos os gostos, os especialistas aparecem, alguns contra e outros a favor, cada um defendendo ponto de vista nem sempre sustentável, mas reveladores dos interesses que defendem. E o debate pende a acirrar-se ainda mais diante do modelo do equipamento aprovado pelo Conselho, segundo consta, o mais caro e inadequado, o que irá onerar ainda mais os consumidores proprietários de veículos.
Observando o debate e para torná-lo mais quente, pude identificar alguns grupos econômicos interessados no assunto, evidentemente, cada um fazendo lobby na defesa exclusiva de seus próprios interesses sem a menor preocupação com o consumidor. Dentre esses grupos, podem ser destacados:
– As montadoras que, segundo foi divulgado, não teriam interesse na implantação do equipamento, afinal no Brasil são roubados por ano mais de 400 mil veículos que precisam ser repostos, uma boa fatia de mercado;
– As seguradoras, as quais, pela lógica, deveriam ter interesse na localização dos veículos roubados, o que, em tese, ajudaria a baratear o custo do seguro. Aqui surge uma indagação: não será mais fácil deixar como está e continuar aumentando os preços do seguro;
– A fabricante do equipamento escolhido, o mais caro, este setor da indústria, então, anda rindo a toa e não poderia ser diferente. Já imaginaram a quantidade de GPS que vai vender, por força de uma simples resolução de um órgão subalterno? Faturamento certo; e,
– Por último, as empresas de que monitoram a circulação de veículos via satélite, ou a empresa que vier a ser escolhida para prestar o ?relevante serviço? aos donos de carros, dos quais receberão a ninharia de R$ 200,00 (duzentos reais) por mês por unidade, segundo noticiado por um canal de televisão. Talvez aí esteja um negócio melhor do que o pedágio escorchante que é cobrado no Estado do Paraná. É de pai para filho.
Lamentavelmente, minhas antigas preocupações não eram infundadas, o Contran tem se demonstrado muito diligente em baixar regulamentos, não importa se em desacordo com a lei, o certo é que os baixa.
Assim como a resolução do fracassado kit de primeiros socorros, a sociedade brasileira deve pedir socorro e reagir para derrubar a resolução do GPS, que onerará somente os donos de veículos, os consumidores, os quais não terão condições de repassar os custos. Não se trata de medida protetora dos motoristas e passageiros, em nada melhorará o trânsito ou a segurança, na realidade se trata de um grande negócio envolvendo muito dinheiro e lobbys fortíssimos.
Não se pode esquecer que o equipamento não evitará o furto/roubo de carros e nem diminuirá a violência, pode até piorá-la, isto porque sua função será localizar os veículos após os furtos/roubos.
Vamos à luta para derrubar a malsinada Resolução.
Antônio Dílson Pereira é advogado e professor.