O concubinato sob uma perspectiva histórica (Período Medieval e Idade Moderna)

Segundo Will Durant, no Período chamado ?A Renascença de Roma? (1378 a 1521), houve um abandono da moral(1). Esse fato ocorreu porque uma grande parcela da população parou de crer na origem divina do Código Moral, de maneira que os mandamentos perderam a eficácia, declinando a noção do pecado e do sentimento de culpa. O sentimento coletivo é de que ?se não há inferno nem céu, devemos gozar aqui e podemos satisfazer nossos apetites sem o temor do castigo depois da morte?. Inegável que os reflexos foram produzidos nas relações familiares. A Itália, na Renascença, foi palco de considerável número de aventuras pré e pós-matrimoniais. O mencionado historiador afirma que era ?extraordinário o número de bastardos que se via em qualquer lugar da Itália, na Renascença?. Tanto que o homem, ao casar-se, convencia a esposa a permitir que a progênie ilegítima fizesse parte do lar e fosse educada com os demais filhos, advindos do casamento. Dessa maneira, direitos passaram a ser conferidos aos filhos ilegítimos, inclusive no que diz respeito à divisão dos bens hereditários, porém, estes últimos teriam seus direitos reconhecidos, apenas na ausência de filhos legítimos. Narra Durant que: ?Ferrante, por exemplo, foi o sucessor de Afonso I, em Nápoles e Leonello D?Este, o de Niccolo III, em Ferrara. Pio II, quando chegou a Ferrara, em 1459, foi recebido por sete príncipes, todos eles ilegítimos. A rivalidade entre bastardos e filhos legítimos constituiu extraordinária força de violência na Renascença?(2).

Outro fato relevante a ser considerado, nesse Período, é o do afloramento da homossexualidade, por força da adoção do pensamento grego. Afirma-se que São Bernardino ficou estarrecido com a quantidade de homossexuais encontrada em Roma, inclusive na classe social economicamente privilegiada. Retrata Durant que: ?Em 1492, um nobre e um sacerdote, condenados por terem praticado atos sexuais, foram decapitados na Piazzetta; seus corpos foram queimados publicamente?(3).

A prostituição se tornou uma prática generalizada. Em 1490, só em Roma, havia 6800 prostitutas registradas. Tal número, porém, não leva em consideração as praticantes clandestinas. Em Veneza, o censo de 1509 informou que havia 11.654 prostitutas para uma população de 300.000 habitantes. Existia, inclusive, um catálogo com as principais e mais homenageadas cortesãs de Veneza, seus nomes, endereços e preços, segundo Durant(4).

Todo esse contexto tornou o casamento apenas uma forma de manter a propriedade no âmbito da família. Tanto isso é verdade que o contrato de casamento de uma menina poderia ser estabelecido quando ela tivesse apenas três anos de idade, sendo que as núpcias seriam realizadas quando completasse doze anos. A filha solteira, com quinze anos de idade, representava infelicidade para a família(5). Já no século XVI, a idade matrimonial foi estendida, para a mulher, até os dezessete anos, a fim de que a família desta pudesse amealhar dote suficiente que permitisse o seu casamento. Chegou-se a ponto de a cidade de Florença criar um seguro dotal do Estado ?Monte delle fanciulle? (fundo das meninas). Com esse fundo, as famílias pagavam pequenos prêmios anuais para que a jovem, aos dezessete anos, pudesse sacá-lo e entregá-lo ao noivo, como dote de casamento. Os artistas da época viviam e demonstravam esse contexto social por meio de suas obras de arte.

Encerra-se o mencionado período, no qual os concubinatos eram relacionamentos costumeiros, afirmando que a grande maioria dos casamentos era constituída de uniões diplomáticas, visando interesses econômicos e políticos. As mulheres geralmente anuíam, implicitamente, com o fato de os maridos terem outras famílias. Retrata Durant: ?Nas classes médias alguns homens eram de opinião que o adultério era uma distração legítima. Maquiavel e seus amigos deviam tê-lo achado a coisa mais natural, pois trocavam correspondências sobre suas infidelidades. Quando, em tais casos, a esposa se vingava, procedendo de maneira igual, o marido muitas vezes fingia ignorar tal situação. Contudo, com a chegada dos espanhóis à Itália, com intermédio de Nápoles, Alexandre VI e Carlos V, a ?questão de honra? espanhola começou a entrar na vida italiana; no século XVI, o marido sentia-se obrigado a punir com a morte a esposa adúltera, embora mantivesse incólumes seus privilégios primitivos. Ele podia abandonar a esposa e, mesmo assim, prosperar. A mulher abandonada não tinha outro recurso, salvo o de reclamar o seu dote, voltar para a casa dos pais e viver uma vida solitária. Ela não podia casar-se novamente. Podia ingressar em um convento; este, porém, esperava a doação de seu dote. Em geral, nos países latinos, tolera-se o adultério como substitutivo para o divórcio?(6).

Passados mais de cem anos, tendo a Europa sofrido sólida influência da Reforma de Lutero à Contra-Reforma do Concílio de Trento, o quadro social e familiar também sofreu forte transformação. A noção de moral passa a estar atrelada à de bom costume. Houve um forte afluxo puritanista, que pregava rigor familiar. Passou-se por um período de intensa pressão com a imposição da teologia e da ética dos puritanos, pregando-se virtude, piedade e fidelidade conjugal. Tal período não durou muito, sendo que logo houve quebra dessa situação por parte da classe mais abastada, com repressão aos puritanos. Assinala Durant que ?quanto mais elevada a posição tanto mais baixa a moral. Jaime, Duque de York, irmão do Rei, parece ter excedido até a cota de amantes para os reis?(7).

Esse período estendeu-se até por volta de 1700 e foi marcado por uma intensa infidelidade conjugal, tanto dos maridos quanto das esposas. A situação de promiscuidade chegou a ponto de a homossexualidade tomar conta do exército inglês. Ocorre, a partir desse período, uma mudança comportamental, na medida em que os casamentos por amor passaram a ser valorizados e, graças a isso, aumentou o respeito entre os cônjuges. O marido continua a ter domínio sobre a esposa e, inclusive, sobre o dote que ela trazia. Assinala Durant: ?Em todas as classes a vontade do marido era a lei. Nas classes inferiores ele se servia de seus direitos legais para bater na mulher, mas a lei proibia-o de usar qualquer vara mais grossa que seu polegar. A disciplina na família era severa, exceto nas classes altas de Londres. O divórcio era raro, mas podia ser concedido por meio de ato do Parlamento?(8).

Notas:

(1)     DURANT, Will. A história da Civilização  A Renascença, 2.ª ed. São Paulo: Editora Record, p. 459.

(2)     Op. cit. p. 465.

(3)     Op. cit. p. 466.

(4)     Op. cit. p. 467.

(5)     Op. cit. p. 467.

(6)     Op. cit. p. 468.

(7)     Op. cit. v. VIII, p. 240.

(8)     Op. cit. v. VIII, p. 242.

Vitor Frederico Kümpel é doutor em Direito, juiz de Direito e professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.

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