Admitir a existência de uma “verdade” no Direito significa admitir a existência da lógica jurídica e não simplesmente da argumentação.
Costumo conceituar a lógica como a ciência das inferências necessárias. De uma maneira simplificada, podemos dizer que a lógica é a ciência que estuda as estruturas do raciocínio. Para Newton Carneiro Affonso da Costa, a lógica “pode ser entendida como o estudo pelo qual certas sentenças ou proposições podem ser deduzidas de outra”(1). Irineu Strenger define a lógica como uma metalinguagem, ou seja, como “um sistema de palavras que se refere à linguagem, ou, como expressa Carnap, a lógica é a sintaxe da linguagem”(2). Para Cezar A. Mortari, ´”lógica é a ciência que estuda princípios e métodos de inferência, tendo o objetivo principal de determinar em que condições certas coisas se seguem (são conseqüência), ou não, de outras”(3).
A lógica do Direito pode ser entendida também como metodologia jurídica(4), segundo Lourival Vilanova. Para o referido autor, esse cabimento tem sentido se considerarmos uma lógica especial de um setor do conhecimento jurídico, assim entendido “qualquer espécie de saber que se dirija ao Direito com pretensão cognoscente”(5).
Cabe lembrar que a etimologia da palavra “lógica” em grego, logos significa pensamento, proposição, palavra ou razão. Alguns autores utilizam os vocábulos “lógica” e “dialética” como sinônimos. Todavia, cabe observar que a etimologia da palavra grega “dialética” inclui o prefixo diá, que significa “através de”. Portanto, “dialética” ou “dialógica” quer dizer “através da razão”.
A lógica pode estudar o processo pelo qual as inferências são válidas ou não e assim explicitar se um raciocínio está correto ou errado. Em parte, isto se aplica ao Direito. Entretanto, sendo o Direito uma ciência social, como se pode saber com certeza o que é verdadeiro ou falso? Não apenas os comportamentos humanos são eivados de contradições, como também existem diferenças e variações de uma cultura à outra. Assim, podemos considerar que, se existe uma lógica jurídica, ela não é absoluta, mas relativa.
Cumpre notar que ao Direito se aplicam principalmente a lógica deôntica (do dever, onde operam os conectivos permitido, proibido e facultativo); e a lógica axiomática (dos valores). Portanto, a lógica jurídica não fica restrita apenas ao problema da verdade e da falsidade.
Existem as chamadas lógicas não-clássicas, que admitem contradições. Entretanto, os tratadistas não são unânimes quanto à possibilidade de sua aplicação ao Direito. Todavia, Willard von Orman Quine lembra que, nas últimas décadas, “a lógica sofreu tal evolução que pode ser considerada como uma ciência nova”(6). Diz ainda que “a lógica antiga está para a nova lógica, menos como outra ciência anterior, do que como um fragmento pré-científico da mesma disciplina”(7). É o mesmo Quine quem diz que, “em certo sentido, podemos afirmar que a lógica trata de tudo (…). A lógica é uma ciência geral, no sentido de que as verdades lógicas se referem a objetos quaisquer”(8). Assim sendo, a lógica se refere também ao Direito.
Diversas são as definições de lógica; todas trazem, no entanto, o pensamento e o raciocínio como fundamento. É o que diz Edmundo Dantès Nascimento, acrescentando a definição de Stuart Mill, segundo a qual a lógica é a “ciência das operações do espírito que concernem à estimação da prova”(9). Seu papel é discernir o verdadeiro do falso a fim de atingir a verdade, daí sua íntima relação com o processo judicial.
Entretanto, alguns autores negam a aplicação da lógica ao raciocínio jurídico. Ricardo V. Guarinoni ressalta que “a partir de Perelman, varios de los cultores de la teoría de la argumentación (…) sostienen que la lógica no sirve para describir correctamente los razonamientos jurídicos, aunque no la descartan totalmente, pero creen que es necesario un aparato conceptual diferente”(10). Para esse autor, muitos dos argumentos contra a relação entre lógica e Direito põem a tônica sobre as contradições, quando na verdade deveriam colocá-la sobre a interpretação(11).
Na minha opinião, a lógica é aplicável ao Direito se o entendermos como ciência, como quiseram Hans Kelsen e Norberto Bobbio. A ciência busca a verdade, e não apenas a persuasão. Entretanto, se entendermos o direito meramente como arte, cabem-lhe mais a argumentação e a retórica do que a lógica.
Penso que o Direito é, ao mesmo tempo, ciência e arte. Portanto, a ele se aplicam a lógica e também a argumentação, de modo não excludente entre si.
Notas:
(1) Jornal Folha de São Paulo, reportagem de Maurício Tuffani, em 30 de novembro de 1997, apud STRENGER, I. op.cit.,p.36.
(2) STRENGER, I. Lógica jurídica. São Paulo: LTr, 1999, p.11.
(3) MORTARI, C. A . Introdução á lógica. São Paulo: Editora Unesp/ Imprensa Oficial do Estado, 2001, p.2.
(4) VILANOVA, L. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. (S.L.): Editora Max Limonad, 1997, p. 62.
(5) Idem, ibidem.
(6) QUINE, W. O . O sentido da nova lógica. 2.ª Ed., Curitiba: Editora da UFPR, 1996, p.15.
(7) Idem, ibidem.
(8) Idem, ibidem, p. 21.
(9) NASCIMENTO, E. D. Lógica aplicada à advocacia técnica de persuasão. São Paulo: Saraiva, 1991, p.14.
(10) GUARINONI, R. V. Derecho, lenguaje y lógica ensayos de filosofía del derecho. Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina, 2006, p. 208.
(11) Idem, ibidem, p. 224.
Maria Francisca Carneiro é doutora em Direito, pós-doutora em Filosofia, mestre em Educação, bacharel em Filosofia e advogada. Membro do Centro de
Letras do Paraná (CLP). Membro da Italian Society for Law and Literature (ISLL). mfrancis@netpar.com.br