O Comitê de Bacia Hidrográfica: uma instância democrática da gestão hídrica no Brasil

No ano de 1997 foi editada a Lei 9.433 que regulamentou a gestão dos recursos hídricos no Brasil. A finalidade foi estabelecer os parâmetros para a Política Nacional de Recursos Hídricos e possibilitar o seu gerenciamento adequado.

Os fundamentos para a gestão hídrica no Brasil estão fincados em seis pilares básicos que são: 1.Domínio público das águas; 2. Recurso finito e escasso, dotado de valor econômico; 3. Em situações de escassez a prioridade será o abastecimento humano e dessedentação de animais; 4. A bacia hidrográfica é a unidade territorial para fins de gerenciamento; 5. A gestão será descentralizada e participativa; 6. Uso múltiplo das águas.

Alguns aspectos devem ser ressaltados na política hídrica brasileira, o primeiro é o domínio público das águas, que significa a necessidade imperiosa da gestão pública desse bem escasso e limitado, pois a Administração Pública, através dos seus Órgãos traçará os parâmetros para os diversos usos. O segundo ponto fundamental é a gestão descentralizada e participativa, uma vez que o domínio está na esfera pública, optou o legislador ordinário em declinar a gestão para uma esfera participativa e descentralizada.

É interessante discorrer mais um pouco sobre esse fundamento, pois está como pilar importante da gestão hídrica. Ora, o uso da água interessa a todos indistintamente, conquanto sem água a vida perece. O uso da água não atinge apenas um segmento da sociedade, todos necessitam dela, em primeiro lugar para beber e manter-se vivo e em segundo lugar em diversas atividades diárias.

Indistintamente todos necessitam desse bem natural precioso e seu uso não pode está atrelado somente aos interesses de um ou alguns segmentos sociais, todos devem repartir a gestão de forma democrática e participativa, como forma de assegurar a concretização do princípio constitucional da igualdade no uso desse bem essencial à vida.

Igualitariamente os atores sociais, devidamente re-presentados, deverão decidir como utilizar a água, da seguinte forma: planejando, limitando, fiscalizando, enfim, estabelecendo mecanismos de administração que possibilitem o uso múltiplo pelo conjunto da sociedade.

O legislador tinha que estabelecer uma forma democrática para concretizar a gestão democrática e participativa, o caminho foi criar um Órgão com uma estrutura que possibilitasse a efetivação de uma gestão realmente pelo conjunto da sociedade.

Essa estrutura recebeu o nome de Comitê de Bacia Hidrográfica, Órgão descentralizado, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, responsável pelo gerenciamento da bacia. Uma característica marcante da forma democrática para constituição do Comitê de Bacia foi à representatividade paritária, ou seja, representantes do Poder Público, em todas as esferas, não excederão a 50% da totalidade dos membros, ficando o restante dos 50% distribuídos com os segmentos sociais, formando um conjunto eqüitativo para o gerenciamento.

Dentre outras atribuições o Comitê de Bacia é responsável por promover o debate dos temas de interesse da bacia, dirimir conflitos hídricos na bacia, aprovar os planos de recursos hídricos, estabelecer os consumos insignificantes para fins de isenção de outorga e outras atribuições previstas em Lei.

Cabe destacar o plano de Recurso Hídricos, instrumento fundamental na gestão da bacia. No plano estará o balanço hídrico, a disponibilidade para uso, prioridades de uso, diagnóstico, intervenções projetadas, projetos, metas a serem atingidas, racionalização no uso, enfim a administração de todos os aspectos referentes às intervenções na bacia hidrográfica.

De forma correta o legislador ordinário destinou a aprovação do plano de recursos hídricos da bacia ao Comitê de Bacia, órgão descentralizado e participativo, que de forma democrática decidirá os destinos da bacia. Qualquer intervenção terá que ter a aprovação do Comitê de Bacia, sob pena de ferir os princípios constitucionais da legalidade e participação.

O Projeto de Transposição das águas do rio São Francisco (ou interligação de bacias) não foi aprovado no Comitê de Bacia do Rio São Francisco, conforme ata da reunião extraordinária realizada em Salvador – BA nos dias 26 e 27 de outubro do ano em curso. Dessa maneira o Governo Federal não poderá realizar essa intervenção, uma vez que a instância democrática desaprovou o projeto, pugnando pela revitalização da bacia.

Eduardo Lima De Matos é professor de Direito Ambiental, promotor de Justiça, diretor do Núcleo de Apoio às promotorias de Justiça do Rio São Francisco,

eduardomatos@mp.se.gov.br.

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