O círculo perverso da repetência

Se existe algo que os estudantes deveriam querer, é uma boa escola, com professores competentes e ensino de qualidade, não pela meta específica de passar o ano, mas para competir no mercado de trabalho e melhorar de vida. Mas, infelizmente, continuamos sendo o país em que se fala muito em educação e na importância da escola – e em que se chora mais ainda pelo problema antigo da falta de recursos -, sem que ninguém pense, ao mesmo tempo, que educar impõe esforço de governos, professores, alunos, familiares e voluntários.

Porém, muita gente ainda acredita que se alcança tudo com um pouco de sorte e vaga na escola – e deixa de lado o problema da repetência, doença que os educadores, eximindo-se de qualquer culpa, julgam o maior mal da educação.

Novos dados do Ministério da Educação mostram que, de 2000 para 2001, a taxa de repetência do ensino médio (antigo 2.º grau), atingia 18,6%, com 1,7 milhão de alunos não conseguindo aprovação ao final do ano letivo. Em 2002, um em cada cinco estudantes do ensino fundamental (antigo 1.º grau) e médio repetiu a mesma série cursada em 2001.

No ensino fundamental, informações recentes da Unesco (que, em 2001, comparou-nos com 107 países num estudo sobre repetência) indicam que nossa taxa é tão alta que nos coloca ao lado do Burundi e do Congo (25%) – só cinco nações africanas tiveram taxas maiores. Os números revelam que a repetência não é só o oposto do ensino de qualidade, que permitiria aos alunos obterem conhecimentos mínimos para a série seguinte, mas a marca da ineficácia do ensino e da escola, que não fazem o aluno aprender, ou ainda de alfabetização mal feita.

O aluno que não aprende e não atinge as metas propostas sente-se frustrado ou ressentido, torna-se um peso morto para o governo e potencial candidato a abandonar a escola (59% das crianças da 4.ª. série do ensino fundamental não sabem ler e 52% não fazem operações matemáticas simples). No ensino médio, no período 2000-2001, o percentual de alunos que deixou a escola por não ter sido ensinado a pensar passou de 6,9% para 8% e, no ensino fundamental, de 4,8% para 4,9% – ou seja, milhares de crianças e adolescentes brasileiros não foram ensinados a pensar.

Sem políticas públicas fortes contra a repetência, esses jovens estudantes voltarão a repetir a série, cinco, seis, dez vezes, num perverso círculo vicioso e num processo no qual não faltará amargura pelos esforços financeiros inúteis dos seus familiares.

Uma dessas políticas possíveis seria investir maciçamente na capacitação dos profissionais, o que beneficiaria também os milhares de estudantes espalhados pelo País que passam à série seguinte sem o rendimento escolar adequado. É preciso também aplicar mais recursos para a alfabetização (esses recursos foram cortados do Orçamento de 2004 com a explicação de “remanejamento”), para melhorar as escolas públicas, para implementar programas de distribuição de livros e para incentivar a educação a distância.

Mas, sobretudo, é necessário que União, estados, municípios e a sociedade, incluindo os sindicatos e as Ongs, se envolvam no compromisso de melhorar a qualidade do ensino, que reflete uma dívida acumulada de duas décadas. Foi isso o que fizeram Coréia do Sul, Espanha, Irlanda, Finlândia, Malásia e outros países que há 30 anos tinham indicadores piores.

“Nos anos 50, o Brasil optou pela industrialização e a urbanização imaginando que isso, por si só, resolveria os problemas da educação e da justiça social”, declarou com razão, recentemente, o ministro da Educação, Cristovam Buarque. Sem dúvida, apostamos errado: se tivéssemos feito certo, começando pela escola, ou investindo na educação tanto quanto em fábricas, certamente já teríamos erradicado a cultura da repetência escolar e atendido as queixas de uma geração quase perdida, sem perspectivas e sem futuro no mundo global.

Miguel Jorge é jornalista e vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos do Santander Banespa.

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