Esta campanha que se inicia intempestivamente e que nasce não com vagidos, mas na base da truculência e inconfessáveis manobras inadmissíveis, tão logo abriram-se as cortinas já revela um episódio que seria trágico, não fosse também cômico. É tragicômico. Surge uma disputa entre oposição e situacionismo em que os políticos parecem postar-se ao redor de um recinto de rinha de galos. E, no centro, engalfinham-se um franzino caseiro nordestino, Francenildo dos Santos Costa, e o corpulento e todo -, poderoso ministro da Fazenda, Antônio Palocci, o homem que conseguiu subverter até a política econômica pregada pelo PT e adotar a do governo FHC. E, por isso, recebe integral apoio do presidente Lula.
Foi descoberto que membros da chamada República de Ribeirão Preto, equipe de Palocci que fez parte de sua gestão como prefeito daquela cidade paulista, acusados de estarem envolvidos em pretéritas e recentes negociatas, a oposição desconfiando que há o comando não provado do próprio ministro, alugaram uma casa de ótimo nível em Brasília. Lá era guardada pelo caseiro Francenildo e nela se reunia a equipe formada inclusive por gente investigada pela CPI dos Bingos e que estaria envolvida em maracutaias.
O ministro declarou oficialmente que nunca esteve naquela casa. Francenildo contrariou-o, declarando que o viu entrando no local pelo menos uma dezena de vezes. Um motorista também testemunha que Palocci freqüentava o local. Aí, alguém do situacionismo decidiu quebrar o sigilo da conta bancária de Francenildo e nela descobriu R$ 25.000,00. Logo veio a suposição de que tanto dinheiro, embora fosse uma ninharia na conta de, por exemplo, beneficiários do valerioduto, era uma fortuna para um simples caseiro. E veio a ilação: o caseiro teria sido pago por alguém da oposição para declarar que viu Palocci no local secreto de encontros da gangue de Ribeirão Preto.
Acontece que a quebra de sigilo bancário, salvo com ordem judicial, é crime, e dos mais graves. E ninguém estava autorizado a quebrar o sigilo bancário de Francenildo, não importa se ele é um simples caseiro. A Caixa Econômica Federal, onde está a conta, é responsável. Nela, segundo as normas internas, só alguém em nível de gerência poderia ter acesso à conta. E, aí, na base da ?culpa in eligendo?, as responsabilidades pelo crime vão subindo de um gerente para um diretor; deste para o presidente da instituição e, como esta é subordinada ao Ministério da Fazenda, surgem desconfianças de que a ordem da prática do crime poderia ter vindo do próprio Antônio Palocci. Este nega e Lula nele reiteradamente declara acreditar.
A coisa ficou pior quando foi provado que o dinheiro na conta do humilde caseiro foi depositado por um empresário nordestino que é seu pai biológico, mas que tem outra família e não quer tornar público o fato de que tem um filho natural, caseiro em Brasília. Aí, a coisa vai ficando preta, acusações de lado a lado e a evidente intenção de derrubar o ministro da Fazenda, não exatamente por causa de sua atuação, mas para desgastar Lula, que é candidato à sucessão presidencial.
Nos últimos dias, e parece que ainda por muito tempo, os meios políticos de Brasília só se ocupam do episódio caseiro versus Palocci. Assuntos mais relevantes, como mudanças ou pelo menos correções na política econômica do País, passaram a um segundo plano, para não dizer esquecidos. É importante saber se o ministro fazia parte do grupo, se freqüentava o esconderijo e coisas que tais. É importante descobrir quem diz a verdade e quem mente. É importantíssimo descobrir como se viola uma conta bancária, cometendo um crime inadmissível numa democracia e que nos deixa todos à mercê de bisbilhoteiros do poder. Mas o mais importante é, sem dúvida, desenvolver uma campanha política em que se discutam idéias e projetos para o Brasil. Essa sujeirada toda, que fique para a polícia, à qual compete lidar com delinqüências e delinqüentes.
