O canto dos pardais

A norma já está em vigor: agora, os motoristas podem correr quanto quiserem nas ruas e estradas, desde que os ?pardais? e radares não estejam visíveis e precedidos de uma placa avisando da existência deles e o limite permitido de velocidade. A muitos brasileiros, inclusive autoridades, pareceu um abuso multar motoristas usando vigilância eletrônica, radares fixos ou móveis que detectam a velocidade dos veículos. A multa para essa gente só parece legítima se houver um aviso prévio de que a estrada ou rua está sendo vigiada. Isso permite, doravante, que se corra a 150 quilômetros por hora e, ao ver a placa de aviso, reduza-se para 70 ou menos. Passando a vigilância do ?pardal?, é lícito e, se nem tanto, não punível, voltar a infringir as regras de trânsito, retomando a velocidade excessiva.

Tudo porque pobres motoristas que fazem de nossas vias pistas de corrida vinham sendo injustiçados por máquinas, apetrechos eletrônicos que os indicavam para receber multas por excesso de velocidade, quando o papel das autoridades e da parafernália que está à sua disposição no trânsito devem servir para conscientizar, para educar e não para punir.

A legislação de trânsito fala em punição via multas. Mas a lei, ora a lei! Quem tem um automóvel e corre desabridamente, sem respeito aos limites impostos, é um pobre coitado que o máximo que conseguiu foi alfabetizar-se, às vezes tirar até um curso superior, e também uma carteira de motorista. E comprar um carro num país em que muita gente não tem nem sapatos. Sabe dirigir, mas muito mal, e seu entendimento das regras de trânsito servem para saber quando pode burlar a lei e o guarda e quando não pode. Precisa ser conscientizado, ensinado, orientado com luvas de pelica sobre as regras de trânsito para ver se com elas se acostuma e se conforma em obedecê-las. Nada de punir, pois infrações de trânsito, como o excesso de velocidade, o máximo que podem causar são desastres em que se espatifam veículos, pessoas e algumas vão para o segundo andar. Muitas destas pela infelicidade lotérica de estarem nas proximidades da corrida consentida.

A partir da decisão de manter placas com avisos bem visíveis da velocidade permitida e da presença de radar nas proximidades, já podemos esperar outras providências visando a nobre intenção de educar, conscientizar cidadãos. Logo poderemos ter nas ruas das cidades e, se possível, até nas estradas, placas avisando: não furte nem roube que tem um guarda por perto; não mate aqui porque a polícia está nas proximidades.

Vivemos, de fato, num país da permissividade. Aqui tudo pode e aos infratores das leis é admissível que declarem desconhecê-las. Ou que infringiram aqui e ali porque ninguém avisou que uma autoridade ou um instrumento tecnológico estava próximo e poderia tomar conhecimento e aplicar uma punição. No caso do trânsito, uma multa ?merreba?, que não raro poderia ser evitada, bastando para isso usar a carteira. A do dinheiro ou a que responde à pergunta: ?Sabe com quem está falando??.

Essa cultura da impunidade, da permissividade, do perdão generalizado para os crimes considerados menores, mesmo os de trânsito que matam e aleijam milhares de pessoas, não seria responsável pela assustadora insegurança em que vive a sociedade brasileira? Não seria interessante a gente começar a pensar em aplicar uma política de tolerância zero. Infração de lei é infração e deve ter uma paga. Terá de ser, pelo menos, aquela que cominam os nossos brandos códigos. Num país em que se pune o motorista infrator, é possível que, um dia, mesmo que num futuro distante, sejam punidos os assassinos, os traficantes, os seqüestradores e até os políticos ladrões.

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